1. Devem os deputados ser obrigados a declarar as organizações a que pertencem, com a maçonaria e a Opus Dei à cabeça? O PSD acha que sim. O CDS apoia. O PAN diz ‘nim’, quer que seja facultativo. O PCP tem “dúvidas”. O Bloco provavelmente também. O PS continua com a certeza de sempre: é contra.

A questão parece medianamente clara: a direita, neste caso, defende a transparência; a esquerda, sob o pretexto da Liberdade e dos Direitos, quer continuar a proteger o secretismo, fingir que estas organizações não são aquilo em que se tornaram: centrais de interesse que condicionam a vida pública, na política e nos negócios, na circulação de pessoas e dinheiro.

Por isso, foi para mim muito relevante ouvir Rui Rio, agora presidente do PSD, dizer aquilo que disse em 2019 quando concorreu à liderança do partido: “A maçonaria está um pouco por todo o lado e a tentar condicionar muitas coisas. Não tenho dúvidas sobre isso. Aliás, se eu não dissesse isto, era um hipócrita. Todos nós sabemos isto e ninguém tem coragem para o dizer, mas eu digo-o”.

2. Fernando Lima, grão-mestre do Grande Oriente Lusitano, já veio fazer o seu trabalho e investir contra a proposta apresentada na terça-feira pelo PSD.

Para o grão-mestre a proposta terá “aspectos ridículos”, como seja a obrigatoriedade de se declarar que “se pertence à associação de periquitos de Alvalade”. Entende ele que pertencer à maçonaria é “uma questão de liberdade de consciência” e que “todos somos demasiados vigiados na nossa privacidade e intimidade para que essa liberdade de consciência mais uma vez seja violada”.

3. Esta luta parlamentar merece ser acompanhada com atenção pelos cidadãos. A vida pública portuguesa tem de acabar de vez com a hipocrisia e o medo de admitir o óbvio: a maçonaria é uma organização que se infiltrou na sociedade, mesmo na investigação e na Justiça, e protege os seus de forma contumaz. Não há grande negócio em que não intervenha, luta política relevante em que não participe. Ela está lá, está aqui. Testa lealdades e determina ações.

Se outrora foi um ponto de reunião moral, e pode continuar a sê-lo para alguns – não quero ser injusto –, a verdade é que a grande maioria de lojas e lojinhas que por aí pululam são templos dedicados à doutrina do poder e à religião do dinheiro. Ali colocam-se pessoas. Infiltram-se o Estado e as empresas. Já vi isso acontecer perto de mim. E por cada maçom livre, coerente e honrado que conheci, como António Arnault, que cheguei a entrevistar na sua casa de Coimbra, cruzei-me com uma dúzia de canalhas capazes de tudo para agradar a quem puxa os fios das suas vidas. Também não deve ser fácil sobreviver assim.

4. É por isso que não tenho dúvidas. Pelo menos na vida pública, temos de conhecer quem são os membros das organizações semi-secretas, de tornar obrigatório que deputados e titulares de cargos públicos declarem, no seu registo de interesses, se pertencem a associações e organizações “discretas”, como a maçonaria e Opus Dei.

Sim, não basta a declaração única de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos no início e quando deixam o cargo, já obrigatório para grande número de titulares de cargos políticos e públicos, do Presidente aos autarcas, passando por magistrados. Temos de ir mais longe. O grão-mestre Fernando Lima pode achar que é uma grande pilhéria atirar com a “associação de periquitos de Alvalade”. Mas, num deputado, até isso eu quero saber. E não é só porque ache importante seguir o rasto da alpista.