O nível de desigualdade, que se agravou nos últimos anos em Portugal, não é um mero efeito colateral, como tem sido demonstrado por várias publicações produzidas pelo Observatório das Desigualdades. Pelo contrário, os estudos revelam que as desigualdades são um problema estrutural que persiste na sociedade e na economia portuguesa. Segundo o trabalho recente, coordenado por Carlos Farinha Rodrigues, a disparidade de rendimentos entre ricos e pobres, que já era elevada, intensificou-se de 2010 a 2013.
Dito de uma forma categórica: durante os tempos de crise, as políticas de austeridade tiveram um impacto regressivo considerável, resultando no aumento da distância entre os mais ricos e aqueles que têm menos rendimento. Face a este dado, comprovado por análises estatísticas sérias e indesmentíveis, seria, no mínimo, expectável que se gerasse um consenso alargado em torno do imperativo de reduzir as desigualdades em Portugal. No entanto, o que aconteceu foi precisamente o oposto.
As diversas propostas que surgiram sobre o aumento da progressividade fiscal nos escalões de IRS ou sobre a taxação do património em valor superior a 500 mil euros, que geraram imensa celeuma da parte dos setores mais conservadores, são perfeitamente razoáveis e estão longe de representar um programa radical da esquerda revolucionária. Embora necessitem de ser mais bem apresentadas e explicadas, estas medidas estão muito aquém daquilo que alguns dos economistas mais conceituados nesta matéria têm proposto. A este respeito, recomendo a leitura do último livro do economista Anthony Atkinson, intitulado “Desigualdade – o que fazer?” que, tendo por base um rigoroso diagnóstico, avança com 15 propostas bem delineadas de políticas sociais e redistributivas que visam a redução drástica da desigualdade.
Uma das críticas recorrentes às intenções anunciadas pelos partidos da esquerda foi a de as catalogar de tremendamente ideológicas, concebendo a ideologia como algo intrinsecamente negativo. Mas o que se torna extraordinário é que, ao ouvir e ler as diversas reações intempestivas, verifica-se que grande parte delas se baseiam em meras suposições, perceções ou rumores. Assim, segundo estas, é mais do que certo que as medidas afetarão a classe média, que os investidores internacionais vão fugir, que o mercado imobiliário vai estagnar, que a economia vai afundar-se… Isto e muito mais tem sido repetido até à exaustão.
Na verdade, tais conjeturas baseiam-se, até ao momento, em simples crenças que negligenciam o recurso a dados informados e fundamentados. Como se estas pré-noções, que divinizam o mercado e a sua preponderância face a tudo o resto, não fossem, elas próprias, ideológicas. Vivemos tempos sombrios em que a ideologia parece ter-se tornado maldita e a causa de todos os males. Contudo, aqueles que acusam o outro de pensar diferente, porque supostamente está cego pela sua própria ideologia, recusam-se a entender que ao fazê-lo estão a ser profundamente ideológicos.