Sendo uma curiosa por natureza, estou desejosa que a ciência evolua rapidamente para melhor se perceber o que é ditado pelo nosso cérebro. A coincidência estrondosa de falta de memória que assola muitos dos inquiridos nas comissões parlamentares de inquérito (para não dizer todos) terá certamente uma explicação científica.

Parece-me inclusive importante que se encontre uma alternativa a este método de apuramento de responsabilidades, porque comissões parlamentares já percebemos que não nos levam a lado nenhum. Talvez a pura e simples responsabilização, com consequências efectivas, seja o formato mais indicado.

E se já ouvimos Oliveira e Costa, Zeinal Bava, Henrique Granadeiro, Armando Vara, Ricardo Salgado, Carlos Costa e tantos outros referirem não ter memória (de), não ter responsabilidades (sobre) ou não ter de saber tudo, Vítor Constâncio acrescentou algumas novidades àquilo que era a minha percepção sobre a entidade de supervisão e o papel do governador, pelo que, em função do que disse, me parece poder até ser extinta sem grande consequência.

Vítor Constâncio, agraciado em 1995 com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (que pretende distinguir a prestação de serviços relevantes a Portugal, no país ou no estrangeiro, ou serviços na expansão da cultura portuguesa, da sua história e dos seus valores) e governador do BdP entre 2000 e 2010, tudo o que diz numa CPI que pretende perceber e apurar responsabilidades nas imparidades agora detectadas na CGD, resume-se a:

  • “Não tenho memória de” (repetido à exaustão);
  • “O Governador do Banco de Portugal (BdP) não tem de saber tudo”;
  • “Eu era responsável pela política monetária”;
  • “Não podia fazer nada porque as operações de crédito eram legais”;
  • “Não sinto que correu tudo mal”.

Para além de percebermos a acentuada falta de memória de Vítor Constâncio e de nos podermos (ou não) comover com o seu sentimento de que nem tudo correu mal – já eu não consigo imaginar pior do que o acumular de situações inexplicáveis a que temos assistido nos últimos anos na banca e não estou a falar do impacto da crise internacional – é no mínimo curioso, para não dizer patético, afirmar que a supervisão não era pelouro seu mas sim a política monetária!

Desde que Portugal aderiu ao euro que não existe política monetária pensada pelo BdP ou pelo seu governador! O próprio site do BdP refere que “A política monetária do Eurosistema é a) definida pelo Conselho do BCE; b) executada pela Comissão Executiva do BCE, de acordo com as orientações e decisões do Conselho do BCE; e c) implementada de forma descentralizada pelos bancos centrais nacionais, incluindo o Banco de Portugal, de acordo com as instruções fornecidas pela Comissão Executiva.”

Como é que o governador do BdP diz que a supervisão não é um pelouro seu se esse deveria ser exactamente o papel principal do BdP? Como é que afirma não se lembrar duma carta de Almerindo Marques, na altura Administrador da CGD a alertar para problemas na concessão de crédito na CGD alegando que “recebia tanto papel”? Na realidade não teria de se lembrar se tivesse actuado de imediato, em 2002. Não teria agora de se lembrar, nem nós de pagar!

A expressão corporal e a forma leve como diz “não tenho obrigação de ter memória” ou qualquer outra das afirmações utilizadas para se escusar a responder ou a responsabilizar-se, demonstrando mesmo indignação pelas perguntas que lhe são feitas, denotam arrogância, sobranceria e falta de respeito para com todos os portugueses! A forma como “enche o peito” quando se refere a si próprio como governador é de uma soberba nunca vista.

A outra afirmação curiosa de Vítor Constâncio é quando diz que “não podia fazer nada porque as operações eram legais” e que “a CGD foi sempre uma instituição que não deu muitas preocupações” quando precisamente há dez anos e a propósito do BPN afirmava que “nada podia fazer porque as práticas eram ilegais” e que “ninguém suspeitou de nada no BdP porque não havia razão para tal”.

Portanto, se bem percebo, o BdP nunca faz nada antes da bomba rebentar porque até lá não há suspeitas – nem quando recebe cartas e alertas de auditores – e quando rebenta, explica que nada pode fazer porque… ou são legais… ou… são ilegais.

A Vítor Constâncio seguiu-se Carlos Costa, sobre quem já aqui falei e que, recordo, ter afirmado “saber de tudo (sobre o BES) mas não ser sua função dizê-lo ou alertar quem quer que fosse”. Querem-me explicar, senhores governadores, a razão para a existência do Banco de Portugal?

Uma entidade com 1.701 colaboradores em efectividade de funções, com uma remuneração média mensal superior a 5.000 euros, dos quais 440 em funções de supervisão (fonte: Relatório de Actividade e Contas do BdP de 2017), não apresenta resultados minimamente satisfatórios neste pelouro.  Querem fazer o favor, se a vossa memória o permitir, de explicar o que faz exactamente o BdP?

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.