Li num jornal diário da passada semana as conclusões de um estudo realizado em Espanha tendo por objecto oito centenas de autarcas espanhóis, em que se concluía – ou pelo menos assim o destacavam os títulos do jornal – que uma larga percentagem de políticos mente habitualmente e os que têm mais aversão à mentira têm menos sucesso eleitoral.

O relato da investigação era confuso e os critérios seguidos para as conclusões “científicas” ainda mais. Mas isso acabou por ser irrelevante para a esmagadora maioria dos que comentaram o artigo e que imediatamente salivaram de entusiasmo ao darem de caras com um estudo “científico” onde, afinal, se comprovava o que eles acreditam ser uma verdade indiscutível: os “ políticos são todos mentirosos”.

Estava nisto, perplexo com as notícias e as reacções, quando me caiu na mesa uma autobiografia filosófica de Barbara Cassin (“Le bonheur, sa dent, douce à la mort,  Autobiographie philosophique”), uma respeitabilíssima professora universitária eleita recentemente para a Academia Francesa, que defende existirem dimensões na mentira  filosoficamente  essenciais para a liberdade – “por amor, por gentileza, por conivência, se mente”, escreve.

O perigo não está tanto na mentira (piedosa, honrosa, justiceira) mas naquela Verdade, escrita com capitular, pelos que a querem tornar universal. Porque essa Verdade, por natureza ideológica e por isso mesmo suspeita, matou, mata e continuará a matar milhões de seres humanos.

Fiquei pois ainda mais perplexo. Felizmente que alguém me chamou a atenção para o novo romance dessa enigmática quanto extraordinária escritora, Elena Ferrante. O seu último livro  tem como título justamente “A vida mentirosa dos adultos”. E ela própria explica “descobri que enquanto as mentiras de minha infância eram exercícios de imaginação, os adultos, tão contrários às mentiras, mentiam para si mesmos e para os outros naturalmente, como se a mentira fosse o instrumento fundamental para se darem coerência, para atribuir sentido a si mesmo, resistir à comparação com o próximo, mostrar-se aos filhos como modelo autorizado”.

Segundo Elena Ferrante, a mentira é própria da vida dos adultos (e das crianças). Afinal não são só os políticos que mentem. E, provavelmente, dada a exposição pública e o escrutínio a que estão sujeitos, serão mesmo os que menos mentem.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.