O mundo tem sido ciclicamente confrontado com novas doenças que evoluem para epidemias e até pandemias. Porém, nunca a situação como a do novo coronavírus provocou tanto impacto em matéria de saúde e nas estratégias e relações entre países. A globalização que nas últimas décadas, tinha cavalgado o seu caminho no alargamento da mobilidade das pessoas e na realização de negócios, definha. O comércio internacional acelerou, os investimentos diversificaram-se, as relações expandiram-se como nunca antes.
Esta tendência, que começou a sofrer contestação política como expressões nacionalistas, estacou com magia na primeira manifestação da pandemia. As desconfianças e até ódios ressurgiram, com o vírus como arma de arremesso, com lutas por equipamentos e retenções de encomendas por mero trânsito de território. Sobrelevou em muitos casos o egoísmo nacional perante o desespero de respostas internas.
Neste período cresceram os ataques cibernéticos, nalguns casos a sistemas críticos, brotaram notícias falsas, criaram-se situações de instabilidade. Em domínios vitais e estratégicos, países dependentes entenderam os perigos das prioridades nem sempre geridas de acordo com os seus interesses geoestratégicos. Domínios como a saúde, a alimentação e o fornecimento de bens essenciais para a produção de cada estado, foram afetados e mostraram as debilidades internas.
A crise que ainda estamos a atravessar, além de sanitária pôs em causa a economia mundial e de cada nação e obriga a uma reflexão que leve em consideração estas condicionantes. A globalização criou a ilusão do acesso generalizado a todos os bens a custos mais acessíveis e ao aumento da qualidade de vida geral. Bastou uma pandemia, para que os resultados de milhares de reuniões, tratados internacionais e discursos entusiasmados fossem arrasados por um efeito de dominó político, perante fronteiras fechadas, controlos sanitários, desemprego galopante e empresas aniquiladas, incapazes de planear um futuro muito próximo.
As lições desta crise que não podem esperar para ser tiradas. Têm de ser alinhadas de imediato, para que a recuperação não tarde e se minimize o seu impacto. Não apenas nos apoios a prestar aos agentes económicos e às pessoas, mas à definição de investimentos que salvaguarde os interesses vitais estratégicos, com reindustrialização em áreas essenciais e garantia de produção que assegure a autossuficiência nacional.
As estratégias mundiais vão ter de privilegiar estas soluções, pois como se viu em determinados momentos, os entendimentos deixaram de ser possíveis quando a exigência dos eleitorados proclama respostas imediatas. E naturalmente que refugiando-se alguns países dentro das suas fronteiras, outros assumirão o espaço deixado vago. Com mais ou menos evidência.
E nem a lógica de bloco económico regional ou a proximidade territorial servirá como alavanca de solidariedade entre nações, como se tem verificado por surdas lutas de conquista de mercado de turismo, entre aqueles que se proclamam de buscar soluções comuns. Desde que não colidam com os seus interesses imediatos, claro. Saudades da globalização. É menos imbecil.