Hoje, há quem afirme que a igualdade de género está atingida. Aliás, há ainda a tendência de assumir que o desafio da igualdade de género é convencer pessoas menos sofisticadas e eventualmente menos educadas a respeito do reconhecimento e valorização de mulheres nos vários domínios da sociedade.
Ora, esta afirmação não podia estar mais longe da verdade. Se porventura foram impactados com um movimento nas redes sociais designada de #medbikini, em que vários profissionais de saúde aparecem de fato de banho, estão a ser confrontados com uma resposta poderosa a um artigo que demonstra que a luta pela igualdade de género está longe de estar fechada.
O movimento terá tido início em resposta a um “estudo” de três autores do sexo masculino no Journal of Vascular Surgery intitulado “Prevalência de conteúdo não profissional em redes sociais entre jovens cirurgiãs vasculares.” O artigo baseava-se no estudo de perfis de redes sociais e tinha como objetivo rever e avaliar as publicações de jovens cirurgiãs terminando com conclusões a respeito de conteúdo “claramente não profissional” ou “potencialmente não profissional” que na maioria dos casos dizia respeito a fotos de biquínis ou fantasias de Halloween.
Para mim, o mais extraordinariamente escandaloso é o facto de, em primeiro lugar, os autores serem colegas, ou seja, médicos “educados” que presumem avaliar, sem autorização, um comportamento pessoal dos pares. Em segundo, o artigo foi publicado numa revista científica. Assim, não se trata apenas de uma ideia ignorante de três indivíduos, pois houve quem revisse o artigo “científico” e considerasse que o mesmo tinha mérito para ser publicado. Tal só comprova que a discriminação de género persiste em todos os níveis da sociedade e estamos muito longe de alcançar a igualdade.
Quando vivemos numa sociedade em que usar um biquíni é visto como uma atitude pouco profissional e que impacta negativamente a avaliação da competência de uma mulher, estamos ainda num mundo caracterizado por ignorância e discriminação.
Nesta área, Portugal também não se compara bem. Celebrámos recentemente o 25 de abril, que foi um marco importantíssimo para a melhoria dos direitos da mulher. Contudo, existem marcos que ainda hoje me espantam pela crueldade da lei em prática anterior. Só em 1975 foi revogado o artigo do Código Penal que permitia ao marido matar a sua mulher em flagrante adultério e a filha em flagrante corrupção! E até 1982, um marido que violasse a mulher não cometia qualquer crime!
Apesar de ter havido alguma convergência ascendente à média da União Europeia, Portugal encontra-se ainda no 15º lugar do Índice de Igualdade de Género da UE, com uma pontuação de 67,4, sendo a média da Europa é de 70,2.
Ainda temos tanto para fazer nesta área e começa desde logo com a avaliação de comportamentos normais não serem alvo de “estudo” e crítica por parte da sociedade. Porque ir à praia de biquíni não impacta nenhuma competência profissional que eu conheça… Ou seja, para mim é mais do que óbvio que a minha médica também pode usar biquíni!