1. Portugal é uma República nos intervalos do exercício do Poder. No durante é, sem dúvida, uma monarquia. Quem manda olha à volta. Fala com os seus. Ouvirá os mais chegados. Num momento de sobressalto, acredito até que consulte a lista telefónica para se certificar de quem já está colocado. No final manda proclamar.

Para não ir muito atrás no tempo, cito o padrão que se viu na TAP, com Lacerda Machado; recordo o plano de recuperação económica, com António Costa Silva.

O último exemplo é o da nomeação de Pedro Adão e Silva para liderar a comissão executiva da ‘estrutura de missão’ que vai comemorar os 50 anos do 25 de Abril. Seguir-se-á a [nomeação] de Ana Paula Vitorino para a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes. Lapidar e recorrente.

2. O chamado ‘processo monárquico’ é normal numa empresa. No privado, as escolhas, para o bem e para o mal, ficam registadas no relatório e contas e vão aos interesses dos acionistas. (Pelo menos era assim antes dos capatazes dos bancos passarem a ser também conhecidos por ‘empresários’.)

No Estado, coisa que os nossos sucessivos reis fingem desconhecer, as decisões vão aos bolsos dos contribuintes. Somos nós quem paga as escolhas e é por isso que o país se deveria habituar a escolher ‘o melhor’ para todas as funções que não sejam políticas.

Uma coisa é o primeiro-ministro, eleito pelo voto, nomear pessoas do seu partido e da sua confiança pessoal e política para o governo. É isso que se faz, e bem, no mundo inteiro. Outra, muito diferente, é transformar o Estado numa coutada pessoal. É isso que se faz, e mal, em Portugal.

3. Quando Passos Coelho criou a CRESAP, o organismo encarregado de selecionar os funcionários para o topo da administração pública, a ideia seria que o Estado fosse, a pouco e pouco, desligando-se da lógica abrasiva do partido de turno e do caciquismo do pessoal político que o serve.

Por extensão, seria normal que em casos como o das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, o Governo fizesse coisas muito simples, como o de lançar um concurso nacional para quem se quisesse candidatar à função, sabendo antes, e não depois, as condições de remuneração e outras regalias do cargo.

A ideia de escolher ‘o melhor’ para o Estado deveria ser a ideia-base de todos os processos.

Nunca ninguém me conseguirá explicar a razão pela qual o país há de ficar refém daquilo que o primeiro-ministro conhece, e de quem conhece, entre intervalos de viagens e reuniões, comícios e almoços. Nunca.

4. Na atualidade nacional, estas manobras de reduzir o país à lógica monárquica são executadas de comum acordo entre São Bento e Belém. O Presidente decora a sala. O primeiro-ministro organiza a festa. A coisa, quando é executada por gente esperta, tem requintes de malvadez. Por exemplo: colocar o General Ramalho Eanes, para mim o mais ilustre dos portugueses, a presidir à chamada Comissão Nacional (escolhida por Marcelo Rebelo de Sousa) é um travão para muitas críticas (a todos os cargos executivos – Conselho Geral e Comissão Executiva – nomeados por António Costa).

5. Pedro Adão e Silva, que conheço de forma fugaz, é uma pessoa por quem tenho respeito pessoal e intelectual. Mas isso não interessa nada para o caso em apreço.

Aquilo que a sociedade portuguesa deve exigir é que as escolhas para funções públicas relevantes tenham o carimbo de um concurso e o da defesa de ideias, de uma visão. É assim, por exemplo, que o Banco de Inglaterra escolhe o seu presidente, que já foi um canadiano.

Nas redes sociais vejo amigos que defendem “o Pedro” das críticas (sobretudo ao processo) e parecem-me apenas tontos aprisionados no seu admirável mundo diário, incapazes de raciocinar sobre o que está em causa: a forma como Portugal funciona, como os políticos se comportam como os ‘donos disto tudo’.

Nada do que atrás fica dito mudará se Pedro Adão e Silva fizer um bom trabalho, como acredito que fará. Como espero que faça.