Não, não me estou a referir ao que é moral, ética ou socialmente aceite pelos cidadãos, em sentido lato. Nem estou a dizer que há medidas, ou seja, políticas públicas que são “mais ou menos morais” (haverá, certamente, mas não é nessa posição que me detenho hoje).
Refiro-me à decisão que políticos, sobretudo os que estão no governo, têm que tomar ao abordar assuntos que afectam moralmente a sociedade que os elegeu. Ou, por outras palavras, como introduzir legislação que marca uma divisão acicatada numa dada sociedade? Casos exemplares das touradas, do aborto, do casamento entre indivíduos do mesmo sexo, da eutanásia e por aí diante.
Há literatura científica sobre o assunto que lida com estes aspectos mais ou menos públicos de moralidades individuais (por exemplo, Mooney 2001). E, em geral, a comunidade científica atesta como pouco clara a influência dos partidos políticos no agendamento destes assuntos. Sendo mais comummente argumentado que é a sociedade e os seus diversos grupos, decisões legais ou casos chocantes noticiados nos meios de comunicação que trazem à tona estes assuntos, obrigando os partidos políticos a tomar posições e, consequentemente, a legislar esses assuntos, quando em acordo interno e com poder para tal.
Quer isto dizer que os partidos políticos não têm o manancial de poder e vontade para colocar alguns assuntos na esfera pública? Não, não quer. O que quer dizer é que, de acordo com uma vasta literatura (e vão ter de acreditar no que escrevo, pois não tenho espaço para referir todos os estudos feitos sobre o assunto), existe uma limitação programática maior no que diz respeito às decisões partidárias sobre estes assuntos do que pode inicialmente parecer a “olho nu”.
Apesar de eu defender que o contexto não pode explicar todos os eventos e tendências sociais, não devemos ser alheios a tal. Não é por acaso que uma fatia da população pode aceitar mais facilmente certas medidas legislativas sobre aspectos fracturantes em determinados momentos. É talvez aí que a habilidade política de alguns partidos e/ou líderes pode ganhar alguma relevância, saber lidar com uma mudança na sociedade e perceber tal, ou, até direcionar a opinião pública para um dado sentido que lhes é mais favorável.
Um dos ângulos em que podemos pensar neste assunto remete para o interesse individual e o interesse colectivo. Por exemplo, no último debate sobre os níveis de tributação das touradas em Portugal, quando pensamos que é bom para o país um aumento ou uma redução desta tributação, estamos a defender o interesse individual ou o interesse colectivo? E atenção, nada contra uma ou outra perspectiva dialéctica.
Talvez seja interessante cada um de nós fazer este exercício. Penso que, pelo menos, ajuda a posicionarmo-nos naquilo que pensamos para a nossa sociedade. Talvez assim se evitem alguns ataques de cariz clubístico que soam sempre a falhas de raciocínio, ou talvez isto seja apenas “wishful thinking” da minha parte.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.