No seu relatório anual sobre o estado da nação, o Instituto de Políticas Públicas (IPPS-Iscte) apresentou um levantamento exaustivo de quais os setores mais afetados pela pandemia e a que níveis, bem como das respostas de política apresentadas pelo Estado neste último quase ano e meio.

Para as diferentes áreas analisadas, parece ser consensual a conclusão, já incessantemente repetida, de que o principal efeito da crise recente terá sido ampliar as desigualdades existentes.

Numa análise que cobre praticamente todos os setores estratégicos (educação, saúde, habitação, emprego…) é avaliada a eficácia das políticas adotadas pelo Governo e lançam-se pistas para o que poderá ter corrido menos bem.

Este é, por um lado, o retrato de um Estado preocupado com o bem-estar dos seus cidadãos e que entende a limitação da lógica de mercado. Mas é também o retrato de um Estado que tem vindo a responsabilizar as suas restrições macroeconómicas, nomeadamente orçamentais, sempre que confrontado com as lacunas da sua intervenção.

E que restrições macroeconómicas têm afinal contextualizado as intervenções de política económica em Portugal? A política monetária europeia tem sido incontestavelmente ativa, sendo o bastião moderno da política económica. Ora, se o seu papel contracíclico é por demais evidente, é dúbio que tenha capacidade para corrigir as desigualdades instaladas.

Os economistas, inclusivamente, receiam que a política monetária não convencional, em particular, possa até agravar os desequilíbrios existentes ao nível da riqueza, se tiver como efeito a valorização de ativos reais e financeiros que são sobretudo detidos por uma minoria mais afortunada. A escalada do preço do imobiliário pode ser analisada nesta perspetiva, na medida em que a propriedade é um privilégio de apenas alguns, que veem a sua riqueza aumentar face aos arrendatários.

A alternativa macroeconómica com capacidade para ter um impacto essencialmente redistributivo passa pela prossecução de uma política orçamental e fiscal ativa. Se esta tem estado presente no pós-pandemia, como é visível na maior tolerância para com o défice público ou na delineação de um plano de recuperação e resiliência com o aval da União Europeia, o que o relatório do IPPS revela é a sua manifesta insuficiência.

A espera por soluções macroeconómicas de fundo tem sobretudo resultado no desperdício de tempo precioso para pôr em prática políticas sociais corretivas. Fazê-lo exige reconhecer que a prioridade da política económica deverá ser minorar as desigualdades reveladas e promover uma nação mais igualitária. A política orçamental e fiscal não será eficaz nesta matéria se não for capaz de identificar e priorizar os objetivos sociais e económicos a alcançar.

Os problemas decorrentes da pandemia estão sobejamente identificados, bem como as falhas do mercado na sua resolução. Urge afinar as políticas públicas, canalizando os recursos disponíveis para onde estes são mais necessários.