Com pompa e circunstância, foi recentemente anunciado pelo atual Governo, com o patrocínio das Câmaras de Lisboa e de Oeiras, um investimento de 300 milhões de euros para requalificar a zona ribeirinha entre Pedrouços e a Cruz Quebrada. O projeto foi apresentado como a “nova Expo” da zona ocidental da capital.

Comparar a zona ocidental de Lisboa, onde pontificam instituições de referência como a Fundação Champalimaud ou o IPMA, entre outras, com a zona oriental da cidade antes da “Expo 98”, um espaço altamente degradado onde coexistiam contentores, refinarias, matadouros, etc. não passa de um exercício de Relações Públicas medíocre que não pode ser levado a sério. O embuste continua na designação – Ocean Campus –, convenientemente em inglês para ser mais cool, mas enganadora, porque a localização é no river e não no ocean.

O fim último deste empreendimento, a pensar nas pessoas, claro, é “dar uma nova vida à linha de praia entre Lisboa e Oeiras”, construindo edifícios na linha de costa, acrescentaríamos nós. Entre outras coisas, o projeto inclui a construção de um enorme terrapleno que entrará largas dezenas de metros pelo Tejo dentro, entre a zona de Algés onde se realiza o “NOS Alive” e o pontão onde o rio Jamor desagua no Tejo, na Cruz-Quebrada. Ao longo desse extenso e largo terrapleno em cima da linha do plano de água, a sul da linha do comboio, serão construídos edifícios com várias funções (turismo, empresas, escolas de negócios, etc.), e uma zona destinada à fruição, como impõe o politicamente correto.

O projeto prevê a construção de um hotel em leito de rio, em clara violação da legislação ambiental, que determina uma distância mínima ao leito dos rios. Da cartola saiu ainda a construção de uma marina em cima da atual praia da Cruz-Quebrada para viabilizar um megaempreendimento imobiliário onde se encontram hoje as instalações abandonadas da Lusalite e da Gist Brocades, criando uma parede de prédios na margem do rio, atingindo 60 metros o mais alto.

Com o conhecimento científico de que se dispõe atualmente sobre as alterações climáticas e o aumento do nível médio das águas do mar (NNM), sobre o qual existe evidência científica quanto baste, que já se faz sentir no litoral português, este projeto é, à nascença, anacrónico. Esse conhecimento desaconselha vivamente a construção na orla marítima.

A subida do NMM no planeta situa-se em cerca de 3,5 mm por ano. Os dados recolhidos pelo marégrafo de Cascais indicam subidas do NMM de 3,5 a 4 milímetros. Essa subida afetará decisivamente o efeito regulador que os dois bancos de areia (cachopo do Norte e cachopo do Sul) à entrada do estuário do Tejo têm sobre os efeitos da ondulação oceânica no rio. Durante o século XX, o NMM subiu cerca de 15 cm no litoral português. As projeções apontam para uma subida próxima de um metro até ao final do século XXI. Esta constatação foi recentemente confirmada pelo relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC).

A decisão política deveria ter por base o conhecimento científico, que, em Portugal, é instrumentalizado e manipulado para propósitos eleitorais. O IPCC foi criado para fornecer aos decisores políticos avaliações científicas regulares sobre mudanças climáticas, suas implicações e possíveis riscos futuros, além de apresentar opções de adaptação e mitigação. O “Ocean” Campus não passa de mais um caso em que a ganância e a especulação imobiliária fazem tábua rasa da evidência científica, disfarçada de narrativas benignas, com sejam o apoio à investigação científica sobre os… oceanos, num exercício tosco de esperteza saloia.

O ambiente entrou no discurso oficial como uma commodity. Foi apropriado por aqueles que perceberam que podem tirar benefícios dessa narrativa. Ser verde passou a ser fixe. Tornou-se conveniente. Aqui reside a perversidade. Na prática, tudo como antes, negociatas imobiliárias incessantes.

 

O autor assina este texto na qualidade de Presidente da direção da Associação Vamos Salvar o Jamor, uma Organização Não Governamental para o ambiente.