A síndrome de Cassandra aplica-se aos casos em que não se acredita na ocorrência de um acontecimento, e se ignora deliberadamente os avisos e as indicações que o anunciam. Faz todo o sentido recorrer a ela quando nos referimos à possibilidade de uma guerra entre a NATO e a Rússia. A situação é tanto mais alarmante quando altos responsáveis pensam ser possível manter o conflito ao nível convencional, elevando-se quando muito ao patamar nuclear tático. Quem alerta para essa possibilidade não é levado a sério, nem lhe é atribuída credibilidade, para poupar epítetos.

Num rasgo de bom-senso, e em linha com declarações anteriores, Curtis Scaparrotti, general do Exército dos EUA e comandante das forças aliadas na Europa, alertou recentemente numa entrevista à Associated Press para o facto de “durante a Guerra Fria, entendermos os sinais uns dos outros [Estados Unidos e União Soviética]. Conversávamos… estou preocupado porque hoje não nos conhecemos bem”. Scaparrotti acrescentava ainda que “a comunicação é uma parte muito importante da dissuasão… devemos comunicar mais com a Rússia. Isso garante que se entenda o que se faz e porquê”.

Quando os adversários se conhecem mutuamente diminui a probabilidade de entrarem em conflito. Ao contrário dos tempos da Guerra Fria, quando gerações viveram sob ameaça de um armagedão nuclear, as forças armadas norte-americanas e russas comunicam pouco entre si.

As relações da Rússia com os Estados Unidos e a NATO estão no nível mais baixo de sempre. A cooperação civil e militar é inexistente. Não há sinais de que a situação vai melhorar. Pelo contrário! A retórica de demonização do oponente aumenta diariamente, agora ampliada pelas redes sociais. A luta política entre as elites políticas norte-americanas não ajuda e dificulta tremendamente o diálogo entre Moscovo e Washington.

É necessário proceder a uma mudança urgente de política, assente na diplomacia em vez de ultimatos e sanções. É crucial promover o envolvimento político e estratégico com a Rússia, evitar um impasse nuclear precário, e ultrapassar a “paralisia política” que caracteriza a ação diplomática dos EUA e seus aliados com a Rússia. As superpotências nucleares precisam de ultrapassar preconceitos e comunicar mais. Tudo o que contribua para diminuir as tensões é positivo.

Entretanto, está lançada uma nova corrida aos armamentos. Mecanismos cruciais de controlo de armamento como os tratados ABM e INF foram abandonados. Tudo se encaminha para que o último tratado ainda em vigor que impõe limitações às armas nucleares estratégicas – START – siga o mesmo percurso. O risco de um confronto armado que, por engano ou erro de cálculo, possa conduzir a uma guerra nuclear aumentou significativamente. A possibilidade de guerra nuclear (acidental ou provocada) com a Rússia não é uma lucubração desinformada.

Temos hoje mais forças militares no terreno, mais próximas e em mais locais. Por exemplo, no Mar Báltico, Síria e Mar Negro. A aproximação das forças da NATO da fronteira russa motivou o deslocamento do dispositivo russo para oeste. Excetuando o caso da Síria, onde existe uma coordenação permanente e frutífera entre norte-americanos e russos, noutros locais são quase diárias as provocações de parte a parte. Pelo facto da comunicação social não as referir não significa que não existem. Urge alertar os fazedores de opinião para o facto.

Compete à União Europeia contribuir ativamente para desanuviar as relações entre aqueles dois atores, e desempenhar um papel de mediador. A ambição de se tornar um ator global com autonomia estratégica tem de se materializar em ações concretas. A inoperância demonstrada pelas instâncias europeias em várias situações que afetam a segurança europeia – Síria, Ucrânia, Kosovo, etc. – deixando o protagonismo para as potências regionais que a integram, não se pode repetir neste caso dadas as suas características existenciais. É hora de agir firme e determinadamente.