“Ai, Portugal, Portugal
De que é que tu estás à espera?
Tens um pé numa galera
E outro no fundo do mar”. 

Jorge Palma

É certo que o confinamento nos tolda, por mais que o neguemos, o raciocínio, passando o correr dos dias a assemelhar-se a uma enorme nuvem de (amargo) algodão. Contudo, por mais distraídos que tentemos estar, a realidade trata de chocar connosco a cada momento, relembrando-nos que a velhas glórias se sucedem anedóticas farsas e, mais grave, amplas tragédias.

Já nem falo na nossa oscilante política na saúde. De um lado, os persistentes e reiterados “golpes” nas vacinas, retirando aos mais frágeis o que os deviam dar o exemplo se atribuem a si mesmos, sob as justificações mais surreais, como seja, promoverem-se reuniões à distância em regime de voluntariado. Como parece óbvio, a particular forma de estar “portuga” impunha que os tão apregoados cuidados de segurança com a entrada e deslocação no território nacional das ditas vacinas, sob grande aparato policial, deveriam ter sido empregues na sua administração.

Não somos ladrões “óbvios” mas daqueles que optam pela pequena trapaça, a vacina aqui, uma cunha ali. A verdade é que ninguém se lembrou de furtar um carregamento inteiro de vacinas, mas muitos pensaram que “menos uma não faria diferença”. E, a verdade, é que para eles não fará. Já para os cidadãos que, por sua causa, venham a morrer dúvidas não subsistam que a culpa também irá falecer, não solteira, mas isolada.

E, de trapaça em trapaça, assistimos também ao degradante espectáculo da Senhora ministra da Justiça a tentar justificar o que todos já percebemos não ter justificação possível, enquanto demorou mais de oito dias a publicar um diploma que é incompreensível e que se assemelha a todas as medidas que o Governo vai anunciando, ou seja publicidade enganosa. Invocando-se a suspensão dos prazos, o que se fez foi uma enorme trapalhada, sem que se consiga perceber porque motivo se escreve, em inúmeras alíneas, o que poderia ter sido clara e inequivocamente dito em quatro linhas.

Pelo meio, sucedem-se despedimentos, inúmero comércio que não volta a abrir, empresas encerradas, num rasto de destruição que vai além das vidas directamente ceifadas, prometendo o Governo apoios que todos sabemos não irem chegar a tempo.

Quem beneficia com tudo isto veremos pelos ajustes directos mas quem pode ser prejudicado por todas estas medidas não tem rosto e não tem voz. No limite, somos todos. A verdade é que pode-se sobreviver de esperança mas ninguém consegue resistir numa ilusão permanente da mentira.

Portugal já não é necessariamente um país. Passou de mero lugar mal frequentado para, entre gargalhadas, ser de náusea mas devemos a todos nós muito mais do que um apenas aparentemente mais confortável conformismo.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.