Em Portugal, como em muitos outros países da Europa à Asia ou Austrália, o futebol é desporto de eleição e polo de interesse generalizado. Entre conversas de café e programas de TV sem fim, as audiências capitalizam e as vendas de jornais desportivos esmagam as tiragens.
O futebol não deixa ninguém indiferente. Durante anos servindo de anestia de regime, mais recentemente como montra de orgulho nacional ostentando os novos heróis, de Eusébio a Figo e símbolo máximo atual, Cristiano Ronaldo.
A modalidade evoluiu de uma forma estonteante, deixando de ser um mero desporto para passar a indústria que movimenta muitos milhões de euros e, por consequência, centro de múltiplos interesses.
Benfiquista, adepto e sócio, não é sobre o futebol clubístico que pretendo refletir. Antes fazendo parte da enorme massa humana que aprecia a modalidade e vê no futebol uma atividade vibrante, que nos transporta para um espaço mais emocional onde o adulto vira criança, onde as paixões despertas ultrapassam o racional e o espetáculo nos convoca para uma adesão sem limites.
Na estrita medida em que o futebol desliza para o negócio, onde o debate público à sua volta perde o simples gozo para se emaranhar numa teia profunda e sem nexo. Isto faz-nos temer pelo futuro, pois a cada escalada de afirmações excêntricas a credibilidade diminui.
Nas últimas semanas, o ruído tem crescido e já não é o jogo psicológico do embate de fim de semana, com meras motivações clubísticas. Nem tão-pouco a denúncia do Football Leaks sobre o sistema ou ainda os ataques aos sistemas informáticos dos clubes e das federações.
Entrámos numa espiral de ataques e contra-ataques, onde a credibilidade e o respeito mútuo entre os protagonistas já não existem. Os jornais enchem-se de parangonas, entre atacados e respetivas reações. A dimensão da situação ultrapassou em muito o âmbito desportivo para despertar nas malhas e no limite da legalidade.
Não esquecemos as acusações no âmbito internacional na FIFA e na atribuição da organização de campeonatos à escala mundial. Não esqueçamos as notícias de outras ligas e divisões. Insultos, ameaças verbais e físicas, corrupção e fraude num conjunto de insinuações que corroem a nobreza do, antes chamado, Desporto-Rei.
Ninguém fica imune às notícias, nem ninguém deve ficar impune perante os factos. Enquanto uns proclamam a defesa do sistema, outros apresentam-se como arautos da legalidade. No intervalo, uns incendeiam a situação e outros alimentam-se dela.
Não é razoável deixar crescer a dúvida na opinião pública. E os agentes do setor devem estar atentos a este fenómeno, a começar pela federação e liga. Mais ainda, o Governo não pode ignorar que a situação contamina o desporto nacional. E as autoridades judiciais de investigação devem ser claras na sua atitude de combate aos factos que integrem o tipo de crime. Ninguém pode assistir da bancada a este derrapar de situação.
Ninguém pode ignorar as graves acusações, como as da eurodeputada Ana Gomes. Mas, se as mesmas foram proferidas de forma gratuita, deve ficar claro que ninguém se pode esconder por detrás de uma condição de imunidade.
Os verdadeiros protagonistas do futebol devem ter presente que este manto nebuloso lançado sobre a modalidade, não é folclore ou música, constitui um primeiro passo para destruir os seus próprios negócios de futebol. Não há mal que o futebol seja um negócio multifacetado. O mal está em toda a mancha negra que o rodeia. Porque como negócio também ele obedece às mesmas regras da economia, do trabalho e da fiscalidade, além de todos os tipos de crime que por vezes se deixa florescer.