A agenda mediática internacional é parte ativa da construção da realidade internacional. Nas últimas semanas, esta agenda tem sido totalmente dominada pelas declarações do presidente norte-americano, Donald Trump.
A capacidade de monopolizar os temas em debate na esfera internacional, demonstrada pela nova administração norte-americana, prova que os Estados Unidos se mantêm ativos na liderança da Ordem Internacional, agora por outros meios. Basta olhar para os canais de informação em Portugal, ou em qualquer outro país ocidental, para perceber-se a capacidade de domínio da agenda mediática por parte do Presidente Trump. Seja por notícias avulsas ou pelos extensos comentários às notícias, as suas declarações ganham vida até que surjam novas declarações tão pujantes e perturbantes como as anteriores.
O Presidente Trump sabia desta sua capacidade de agilizar e monopolizar a agenda mediática nacional e internacional. Veja-se como as ordens executivas presidenciais têm sido anunciadas ao eleitorado norte-americano e como Trump multiplica os contactos externos, através da receção de líderes estrangeiros, neste caso, ligados à guerra na Palestina.
Donald Trump consegue fazer com que todas as suas decisões ou antevisões de decisão sejam disseminadas além-fronteiras, criando expetativas na esfera pública nacional e internacional. Numa navegação que, por vezes, parece desorientada, são introduzidos temas de forma anárquica, ora de âmbito nacional, ora de âmbito internacional, sempre anunciados de forma segura.
Na verdade, não existe qualquer desorientação. Este é o modo de governar do Presidente Trump, que oscila entre a provocação e a introdução de medidas avulsas que constam do seu ideário político.
Entre a improvisação e um programa político
De facto, o Presidente Trump preparou-se durante quatro longos anos, em que enfrentou vários processos judiciais, para a possibilidade de voltar à Casa Branca. Nesses anos, refletiu sobre áreas políticas de intervenção, equipas, criou a perceção de necessidade das suas medidas junto do seu eleitorado.
Donald Trump foi um inovador. Conseguiu que um partido do “sistema”, o Partido Republicano, absorvesse o eleitorado descontente e entrasse numa dinâmica contestatária do sistema como se não tivesse contribuído para a criação desse mesmo sistema político. A razão é óbvia, o Presidente Trump teve a capacidade de centralizar toda a agenda política em seu torno e também todos os anseios do seu eleitorado.
Com uma equipa tecnicamente mais conhecedora que a do mandato anterior, foi traçando um percurso de decisões políticas, tornadas necessárias aos olhos do eleitorado. Da deportação de imigrantes aos cortes radicais nas agências públicas norte-americanas, das negociações para acabar com os conflitos em que indiretamente os Estados Unidos se envolvem à reivindicação de novas tipologias de soberania na Gronelândia ou no Canadá, não existe nada de irracional nas medidas apresentadas por Trump.
O programa político de Donald Trump anunciava, em geral, o reforço dos Estados Unidos como potência hegemónica e a tentativa de inverter um ciclo de perda de relevância na esfera internacional. Algumas medidas foram anunciadas, aquelas que colhiam menos resistência e uma adesão plena por parte da população norte-americana. Outras foram reservadas para o momento da governação. Parecendo chocar toda a gente com a sucessão de medidas, a presença permanente do presidente nos meios de comunicação social permite-lhe ensaiar e propor novas medidas, alimentando um caudal permanente.
Quando testadas e alvo de rejeição global, podem ser sempre afinadas, dado que são suficientemente vagas. No fundo, Donald Trump apresenta uma agilidade política invejável e uma capacidade de comunicação notável, mesmo que discordemos das medidas.
Nesse sentido é bem-sucedido e consegue prosseguir com uma governação muito menos errática do que se possa pensar. Parecendo improvisar, está a tomar decisões programadas e refletidas. A improvisação faz parte da sua imagem de marca, do decisor capaz de, em pouco tempo, revirar o mundo.
Da extinção da USAID à recuperação de uma lei extinta
As medidas do governo de Donald Trump relativas à USAID são um excelente exemplo de uma programação que estava subjacente ao controlo da despesa pública. A revelação do elevado dispêndio com esta agência pública, sobretudo, em questões ligadas a agências não promovidas pelo atual governo, como as questões de género, constituiu uma ótima justificação para acabar com este serviço.
Contudo, não se pense que não haveria algo por detrás. Entre a justificação de uma eventual falência do Estado, o presidente volta a autorizar, por suspensão de uma lei existente, o suborno a instituições internacionais por parte de instituições privadas norte-americanas, nomeadamente, empresas. A suspensão do Ato de Práticas Corruptas no Estrangeiro (no original Foreign Corrupt Practices Act – FCPA) é uma consequência direta da extinção de ajuda ao desenvolvimento.
Trump justifica a medida com a necessidade da economia norte-americana continuar a crescer, mas sem o apoio de dinheiros públicos. Para o seu eleitorado é, provavelmente, música para os seus ouvidos.
No passado, os Estados Unidos usaram este tipo de estratégia. Lembremos o caso das Honduras, num processo que se arrasta nas primeiras décadas do século XX, em que a United Foods (hoje Chiquita) promoveu uma série de movimentos sociais e políticos no país para que não fossem levadas a cabo medidas de reforma da propriedade e garantias de direitos laborais aos trabalhadores. Esse processo culminou no golpe de estado em 1954. Mario Vargas Llosa escreve magistralmente sobre todo este processo no seu livro “Tempos Duros”, editado pela Quetzal, ao qual vale a pena agora voltar.
Isto quer dizer que muitas das soluções propostas por Donald Trump não são novas. A sua inovação advém do facto de serem aplicados velhos remédios a novos problemas. Assim é com a USAID e com o Ato de Práticas Corruptas no Estrangeiro, o mesmo se passa com o princípio da aquisição territorial, usado várias vezes pelos Estados Unidos.
A grande novidade é a forma como Donald Trump molda a agenda mediática e política internacional e consegue ter palco mesmo nos países onde a opinião pública lhe é desfavorável. Ele sabe desta realidade e conta com a sua eficácia para continuar a lançar novas medidas e gerar novas reações.
Até agora, a turbulência tem-lhe sido favorável, sobretudo, num quadro de preocupação com o curto prazo. Temas como a reputação internacional não interessam ao presidente americano. Ele concentra-se em resultados para o seu mandato e estes podem ser conseguidos de várias formas, mais ou menos impositivas, no imediato. As cedências internacionais a que vamos assistindo ajudam Trump nos seus objetivos políticos e é apenas isso que pretende garantir nesta fase de governação.