A crescente rivalidade geoestratégica entre China e Estados Unidos está impondo ao mundo um desafio complexo: como manter o equilíbrio num tabuleiro cada vez mais instável, onde os movimentos deixam de ser previsíveis e as alianças duradouras.
A China, em contraste com a postura confrontacional de Washington, tem apostado numa racionalidade estratégica profundamente enraizada em sua tradição civilizacional. Inspirada no weiqi — jogo de cercamento e paciência —, ela não busca derrubar o sistema, mas sim reformulá-lo a partir de dentro.
Seu recente White Paper, “Posição da China sobre Algumas Questões Relacionadas às Relações Econômicas e Comerciais China-EUA”, um documento oficial que expressa diretrizes, posicionamentos e visões estratégicas do governo chinês quanto aos Estados Unidos, constitui uma resposta não apenas aos aumentos tarifários, mas um gesto simbólico ao Sul Global, reiterando seu compromisso com a estabilidade e o multilateralismo. Trata-se de um instrumento de comunicação estratégica, pensado para moldar percepções, oferecer previsibilidade e posicionar Pequim como potência racional e confiável.
Os Estados Unidos, por outro lado, continuam a operar na lógica do xeque-mate — buscando vitórias rápidas, muitas vezes ao custo da coerência sistêmica. A imposição de tarifas, a crescente unilateralidade e a instrumentalização do dólar evidenciam essa guinada. Como dizem os chineses, trata-se de “matar o frango para assustar os macacos” — um teatro político cujo objetivo é dissuadir aliados e intimidar adversários. Mas o que acontece quando os “macacos” deixam de se assustar?
A distância na postura de Washington e Beijing não poderia ser mais gritante: enquanto Trump espera que líderes de governo lhe beijem a mão, Xi Jinping parte em viagem para convencer alguns parceiros regionais – Vietname, Malásia e Camboja – altamente afetados por Washington, de que terão um aliado nos dias difíceis
A ironia está no fato de que foi Washington quem pressionou pela entrada da China na OMC, esperando vê-la domesticada pelas regras liberais. Hoje, é o próprio EUA que desmonta esse arcabouço, revelando que sua lealdade à ordem internacional é condicional — só existe enquanto ela lhe for útil.
Neste cenário, a Europa precisa despertar. Já foi levada, em curtíssimo prazo, a duas armadilhas estratégicas: a expansão precipitada da NATO à Ucrânia e agora, o ‘tarifaço’ de Trump, que ameaça suas cadeias produtivas e estabilidade econômica. O momento é propício para que o continente deixe de seguir a reboque da política americana e comece a definir uma agenda própria — mais equilibrada, mais realista, mais independente militarmente, e mais conectada à complexidade do mundo multipolar que se desenha.
A verdadeira mudança não está apenas na ascensão da China. Está na transformação do próprio caráter norte-americano. E o mundo — Europa incluída — precisa ajustar seus olhos e sua bússola.