1. O grande projecto da Nova Rota da Seda, One Belt, One Road, apresentado em 2013 por Xi Jinping, um ano após ter chegado a Presidente da República Popular da China, tem como objectivo, segundo vários analistas, fazer a China retornar à grandeza do seu passado.

Há mais de 2000 anos, a China – que começara a sua progressão com a dinastia Han 140 anos A.C. – era um império próspero e o grande centro da economia da Eurásia.

A Rota da Seda desfruta de um grande simbolismo histórico na mente do povo chinês, exactamente pelo que representou de projecção da China no mundo de então. Através dela estabeleceu-se a ligação por terra entre o Oriente e o Ocidente, com vista à troca de bens orientais, designadamente a seda, o produto mais comercializado e mais valorizado no Ocidente que proporcionou grande prosperidade ao país.

Para além da comercialização, desenvolveu-se uma outra rede de relações multiculturais com os países colaborantes, na cultura, diplomacia, religião e troca de conhecimentos e experiências.

Em 2017, One Belt, One Road (Uma Faixa, Uma Rota) é redenominada de Belt and Road Initiative (BRI) por Xi Jinping, no Fórum Internacional sobre a Rota da Seda, realizado com a finalidade de estreitar a cooperação económica e política entre as entidades aderentes, países e organizações internacionais.

Em que consiste a Nova Rota da Seda?

2. É um mega e muito ambicioso projecto que procura abarcar todo o tipo de transportes e infra-estruturas, como portos, ferrovias, oleodutos, aeroportos com fins múltiplos, entre eles, facilitar a ligação da China ao resto do mundo.

A China, após 30 anos de elevado crescimento económico sucessivo, começava a acusar uma certa saturação em termos de infra-estruturas, capacidade excedentária de produção nestas áreas e uma menor produtividade do investimento manifestada pelos índices Formação Bruta de Capital Fixo/PIB elevados e desequilibrados consoante os sectores.

Com este mega projecto procura a China estabelecer ligações com regiões nevrálgicas que lhe potenciem a resolução de alguns problemas internos, criar condições para a expansão dos seus grandes grupos económicos no mundo e, por outro lado, reduzir a elevada exposição da economia pela via das exportações.

É importante para a China o sucesso deste mega projecto, no sentido de, em 2049, como é seu desígnio, comemorar os 100 anos da Revolução, em posição confortável e reconhecida como Grande Potência mundial.

Pormenorizando um pouco mais.

A Nova Rota da Seda não é um mega projecto fechado. Pelo contrário, é bem flexível. Acolhe investimentos de todo o tipo e em qualquer país.

Começou por assentar em duas rotas, a terrestre com vários corredores sobretudo ferroviários em muitas zonas e países, mas sobretudo na Ásia e na ligação à Europa, sem deixar de contemplar África, onde os interesses chineses têm grande peso. E a rota marítima, atravessando vários oceanos e com diversos portos, onde a tecnologia da China tem muita aceitação quer na gestão quer na construção. Em certos locais, assiste-se a uma disputa pela concessão de portos à gestão asiática, sobretudo China e Singapura.

Mas a Nova Rota da Seda, ou melhor, as Novas Rotas da Seda vão muito além. Entram na energia, nas telecomunicações, já se estendendo a áreas mais recentes como a digital e agora com a pandemia à saúde. Se a tudo isto juntarmos os investimentos que vão surgindo nos mais diversos sectores económicos, a ideia que retemos é a de um mega projecto de características muito envolventes.

“Em menos de uma geração, a ordem geopolítica e geoeconómica mundial será manifestamente diferente do que conhecemos hoje, as dinâmicas em curso sendo o resultado da potência descomplexada da China e das novas rotas da seda” (Éric Mottet, 2020 – Universidade de Montréal, Canadá).

3. Este projecto enfrenta, no interior da China, alguns adversários de peso que o consideram megalómano. Mas é, a nível externo, que se depara com adversários poderosos, com os EUA na frente de combate, acusando a China de pretender a criação de dependência e endividamento dos países aderentes.

No mundo ocidental, há opiniões divergentes desta visão dos EUA, sobretudo, em trabalhos de Centros de Investigação Universitária.

Lauren Johnston, investigadora do Instituto China da Universidade de Londres, defende que a maioria dos acordos de investimentos da Nova Rota da Seda acarreta vantagens para todas as partes envolvidas: “para os governos que precisam de acesso ao financiamento, seja para novas infraestruturas ou para o desenvolvimento dos seus jovens, mesmo que este esteja associado a uma dívida à China, os benefícios superam os custos potenciais”, escreve esta investigadora em vários dos seus escritos e acrescenta: “De que outra forma os países pobres poderão deixar de ser pobres?”, reconhecendo que não abundam alternativas ao Projecto da China.

Com a pandemia, diversos países como o Paquistão, o Sri Lanka e várias nações africanas estão em dificuldades para satisfazer o pagamento das dívidas a vencer-se durante este ano e solicitam à China adiamento ou perdão da dívida.

Uma encruzilhada complexa. Investimentos parados. Como ultrapassar esta situação?!

Lauren Johnston não acredita no perdão da China, pois entende que a caridade não se adequa à cultura chinesa. Tem-se verificado, segundo Johnston, a suspensão do pagamento dos juros dos empréstimos e o adiamento do pagamento de prestações em vencimento (moratórias).

O financiamento do Mega Projecto

4. Em 2014, foi criado o Fundo da Rota da Seda para financiar os investimentos dos projectos com um capital no montante de 40 mil milhões de dólares.

No Fórum Internacional de 2017, este fundo é reforçado com mais 70 mil milhões, sendo 15 mil milhões provenientes do Governo chinês e 55 mil milhões de dois bancos associados. Acorrem a este grande projecto também financiamentos de bancos internacionais, como o Banco Asiático de Investimento (AIIB), o Banco dos BRICS e o Banco Mundial.

Não será pela carência de financiamento que o projecto não avançará, tanto mais que os países parceiros também são chamados a participar financeiramente, mas o montante estimado até 2049 é deveras exigente, equivalente a mais de duas vezes o PIB da China.

O think tank dos EUA “American Entreprise Institute for Public Policy Research” estima que a China, entre 2005 e 2018, investiu nos cincos continentes um valor equivalente a 13 Planos Marshall, o plano dos EUA de reconstrução da Europa no pós-Segunda Guerra Mundial.

Para Pequim, esta é a grande estratégia económica e de cooperação internacional. Uma grande aposta do Presidente Xi para reconfigurar uma globalização sem neoliberalismo, ou dito de outra forma, o conjunto de acções que formam a BRI visa instituir-se através de parcerias e compromissos chineses na Ásia, África, Europa, sobretudo de Leste, e no resto do mundo, tendo em vista a construção de uma nova ordem económica mundial substituindo a instituída pós-Segunda Guerra Mundial, sob a tutela dos EUA.

Esta é uma competição diferente dos tempos da Guerra-Fria EUA/URSS. A China não mostra vocação para substituir como Grande Potência os EUA na vertente militar. A competição assenta na vertente económica e tecnológica e nos métodos de conduzir essa competição.

O sucesso das Novas Rotas da Seda será a grande alavanca da alteração a prazo da geopolítica e geoeconomia mundial em que a China está empenhada e a que muitos países estão a aderir.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.