A França vai estar paralisada até ao Verão. Pelo menos, é esse o objectivo dos sindicatos que anunciaram greves no sector dos transportes até ao final de Junho. O maior impacto das greves será no sector ferroviário, com paragens de dois em cada cinco dias de trabalho semanais.
Os sindicatos dos ferroviários não aceitam a reforma da lei laboral que Macron propõe para o sector público e que porá em causa a reforma aos 55 anos. Da mesma forma não aceitam que a SNCF, a empresa que gere os caminhos-de-ferro, seja transformada em sociedade anónima, por recearem ser o primeiro passo para a privatização. De acordo com o governo, o que se pretende é tornar rentável uma empresa com uma dívida de mais de 46 mil milhões de euros.
Há quem veja nestes protestos o fim do estado de graça do presidente da França. Até porque as reformas de Macron não se ficam pelos transportes. Visam a educação e o regime de aposentações. Os sindicatos conhecem o seu programa desde quando se candidatou, desde que venceu Marine Le Pen, desde que tomou posse, e estão preparados para o embate político-social que vai marcar a França nos próximos anos.
Por falar em Marine Le Pen, não deixa de ser irónico que esta seja também contra as reformas de Macron. A líder do partido de extrema-direita, apesar da desconfiança que nutre pelos sindicatos, porque controlados por outros partidos que não a Frente Nacional, também tem apelado aos trabalhadores para que, num espírito corporativista, impeçam a reforma da empresa em que trabalham e mantenham os seus direitos.
Le Pen, à semelhança da extrema-esquerda, não os considera como privilégios de uma classe, de uma corporação, mas como direitos adquiridos e que o Estado deve proteger de forma a garantir uma base social de apoio de um governo que rege a ordem pública. Por algum motivo, Éric Zemmour não diferenciou a Frente Nacional da extrema-esquerda.
É a este braço-de-ferro que assitiremos nos anos mais próximos. Quem se deu ao trabalho de ler o programa eleitoral de Macron, as entrevistas que concedeu antes de ser presidente, cedo compreendeu que estava perante um embuste ou um combatente político. Há muitos anos que a França olha para a Alemanha com um misto de inveja e admiração. As reformas encetadas pelo socialista Gerhard Schröder deviam demonstrar ser possível uma esquerda reformista e atenta ao mundo global, e que não vingou em França, nem entre nós.
No entanto, e ao contrário do que sucede em Portugal, a França parece hoje governada por quem não se limita a gerir o quotidiano, beneficiando do crescimento da economia mundial e empurrando com a barriga, para amanhã, para outro governo, a responsabilidade que é governar. Se Macron será firme como Thatcher apenas o tempo o dirá.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.