Entre os angolanos e não só existe uma percepção que a realidade angolana, por vezes, tem a estranha capacidade de superar a ficção por proporcionar alguns absurdos reais. Somos, assim, um país com o elevado nível de produção de realidade-ficcionada. Como aviso prévio à navegação, é preciso relembrar que toda a leitura sobre a novela romanesca da política angolana é da inteira responsabilidade interpretativa do leitor e não do autor.

A presente novela romanesca da política angolana carece de enquadramento no contexto do enredo político nacional, para uma melhor compreensão do papel de cada um dos actores políticos angolanos. Podemos, assim, analisar o comportamento do actor Presidente João Lourenço em dois actos distintos.

No primeiro acto, a personagem principal estava inserida num contexto de presidencialismo de partido bicéfalo, que tinha como contrafigura José Eduardo dos Santos nas vestes de presidente do partido. Durante essa fase, os eduardistas desfilavam e exibiam a plenitude das suas riquezas, apresentando-se como as figuras maiores do cenário nacional e de maior impacto no estrangeiro. Os seus sucessos serviam como base de inspiração nas revistas cor-de-rosa que começaram a florescer no país.

Ao mesmo tempo, o povo assistia a toda esta encenação de riqueza, na sua mísera condição de pobreza imposta pela elite. Era (e é ainda) um povo totalmente desprezado, que acaba por morrer nos hospitais sem quaisquer condições e por estudar em escolas sem a mínima dignidade para instruir. Em cena estavam a abundância e a riqueza, mas na assistência proliferava apenas uma miséria pura, havendo, deste modo, um país e duas realidades no mesmo romance novelesco.

Caberia, assim, ao Presidente João Lourenço a fulcral missão de tomar de assalto o poder no partido e destronar o seu arqui-rival, José Eduardo dos Santos. Numa jogada de mestre, provocou a realização do Congresso Extraordinário, onde decidiu reformar os dinossauros do Bureau Político.

Desta forma, o segundo acto começou com o derrube de José Eduardo dos Santos e a instauração de um estado cénico do presidencialismo de partido imperial, onde passou a existir apenas uma personagem principal, o Presidente João Lourenço, como dono e senhor do poder executivo e líder do legislativo. As personagens da ala eduardista deixaram de contar com a devida protecção política do líder do partido, um actor em plena decadência política, de imagem desgastada e isolado em Barcelona, a quem resta ainda o escudo da imunidade constitucional.

Nesta fase do presidencialismo de partido imperial, João Lourenço tornou-se rei e senhor, dispondo da máxima autoridade política e do Estado, actuando, por conseguinte, como um magnânimo. Neste sentido, concedeu aos actores da anterior entourage seis meses para a devolução do kumbu (dinheiro) desviado dos cofres do Estado. Os seis meses constituíram um acto de clemência, à luz do princípio de virtude previsto por Maquiavel, que recomenda que o príncipe deve utilizar a bondade quando todos esperam de si o uso da força.

Os velhos hábitos do passado e a cultura enraizada na nobreza eduardista não permitiram compreender que a nova metanarrativa política obrigava o actor principal a ir para além das falas encenadas, sem qualquer acção política de verdade. Ou seja, a dialéctica política teria, necessariamente, que dar lugar a uma acção concreta, materializada na responsabilização de figuras relevantes.

Enquanto surgem novos episódios, o país mantém-se expectante quanto ao seu futuro e rumo a uma gestão efectiva que visa resolver os problemas basilares da sociedade angolana, nomeadamente na saúde, educação, emprego e protecção social dos grupos vulneráveis. Mas desde Roma que se sabe que no meio da descrença nada melhor que um torneio de gladiadores, para que o povo possa distrair-se e esquecer-se das malambas (problemas) da vida. Daí a importância de certas novelas políticas.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.