Artur Mas, ex-presidente da Generalitat, tem-se dedicado por estes dias a uma operação de charme por diversos países em defesa da independência da Catalunha. Prometendo que a região espanhola será “a Dinamarca do Mediterrâneo”, insiste na inevitabilidade de referendar a independência, após o decreto de inconstitucionalidade do “processo de participação cidadã”, forma travestida de referendo que Mas promoveu em Novembro de 2014. O empenho de Mas carece, todavia, de sentido, pois o referendo independentista é não apenas inaceitável para Espanha, como impertinente.
Inaceitável, desde logo, porque o território é um elemento fundamental da definição de um Estado e o governo espanhol não fará cedências que o possam comprometer. Por outro lado, dado que outras regiões espanholas alimentam semelhantes ambições, a abertura de um precedente poderia resultar na implosão do país, retalhado em vários estados. A recusa do referendo é, assim, para Espanha, condição de sobrevivência. Acresce que o referendo, mesmo determinando a manutenção da Catalunha como parte de Espanha, abriria caminho a futuras consultas do mesmo teor. Os defensores da mudança, habitualmente mais militantes e motivados que os que sustentam o statu quo, tenderiam, sendo vencidos, a reivindicar sucessivamente a repetição do referendo até obterem o resultado pretendido. É o que sucede presentemente na Escócia, cujos independentistas, vencidos na consulta de 2014, reclamam, escassos três anos passados, a sua repetição, a pretexto do Brexit. Daqui resultaria que Espanha se tornaria num país contigente, permanentemente a prazo.
O referendo é também impertinente, pois o independentismo assenta a sua legitimidade não apenas numa interpretação mutilada da História, como numa distorção da presente situação de Espanha. Com efeito, se a Catalunha gozou de soberania e, mesmo já integrada no reino de Espanha, beneficiou de ampla autonomia até ao reinado de Felipe V, não é menos verdade que faz parte do Estado espanhol há mais de cinco séculos, sendo múltiplas as influências mútuas entre esta e as demais regiões espanholas, patentes nos costumes, na cultura, nos hábitos, que os independentistas, com zelo estalinista, tentam apagar, proibindo as touradas ou retirando da toponímia os nomes dos soberano espanhóis, por forma a construir uma suposta e artificial pureza cultural na qual sustentam a inevitabilidade da independência.
A causa da independência catalã é igualmente defendida por uma retórica agressiva e dogmática como se entre o centralismo autocrático e violento do franquismo e os tempos actuais nada se tivesse passado. Os nacionalistas da extracção de Mas desqualificam deliberadamente o respeito pelas autonomias inscrito na Constituição de 1978, que “reconhece e garante o direito à autonomia das nacionalidades e regiões” (art. 2) ou o Estatuto de Autonomia, de 1979, revisto e aprofundado em 2006 e submetido a consulta popular, resultado do empenho do Estado em corrigir erros pretéritos, construindo uma Espanha “unida e diversa (…) onde cabem todas as formas de sentir-se espanhol”, como frisou Felipe VI no seu discurso de aclamação.
Com efeito, se, por um lado, o Estado espanhol evoluiu do centralismo para uma autonomia alargada e dinâmica, os independentistas almejam um só objectivo, sem qualquer transigência, como se em Madrid ainda mandasse o Caudilho e os catalães fossem um povo oprimido. É caso para dizer que os independistas da Catalunha, como dizia Talleyrand dos Bourbon franceses, “não aprenderam nada, não perdoraram nada”.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.