Vivemos num tempo de intensos reajustes morais e comportamentais que sinalizam crises do mundo contemporâneo. Têm vindo a germinar, por todo o mundo ocidental, atitudes de contra-cultura que compõem um ecossistema de rejeição das normas dominantes em diferentes esferas. Detenhamo-nos na contra-cultura que se opõe à moral feminista, a qual, ao longo de sucessivas décadas, se disseminou pela educação, legislação, ortodoxia política nacional e supranacional, expectativas sociais e familiares, dinâmicas sexuais e pela generalidade das instituições e expressões culturais.

Nem todos reconhecerão que estamos imersos numa cultura ditada pela hegemonia do feminismo. Porém, um olhar atento pelas caixas de comentários nas redes sociais oferece um retrato preocupante. Desde logo, é visível a hostilidade que surge sempre que uma mulher celebra publicamente a maternidade, parecendo que a sua alegria ofende os demais. Essa reacção revela um clima cultural em que a maternidade é vista com algum desconforto, em vez de ser reconhecida como um bem maior. A hostilidade é menos frequente quando se trata de mulheres que conciliam a maternidade com um perfil público fortemente associado ao feminismo, ao estilo da portuguesa Carolina Deslandes que conjuga a maternidade, no espaço público, com músicas de intervenção cultural que adensam sentimentos de divisão e guerrilha dentro da família e contra os homens.

Não é só a maternidade em si que desperta controvérsia: as famílias mais estáveis e numerosas, muitas vezes, também são olhadas com desconfiança, ou tratadas com um certo humor condescendente. Soma-se ainda a suspeição automática contra papéis diferenciados, pois qualquer alusão a diferenças naturais ou funcionais entre homens e mulheres é recebida como heresia ideológica. Note-se ainda que as pessoas que dizem não querer ter filhos, ou que procriar é um acto indesejável, egoísta, ou até aterrador, são tratadas com muita candura, ou até aplaudidas como visionárias.

Ainda como fruto da narrativa feminista, assistimos à vitimização permanente em contextos de privilégio real, quando mulheres em posições de elevado privilégio social e profissional se descrevem como alvo de misoginia omnipresente. A retórica da vitimização tornou-se tão dominante que se mantém mesmo quando os indicadores objectivos mostram poder, estatuto e segurança. Por fim, um exemplo flagrante é a forma como todos os partidos políticos, da direita à esquerda, se agarram à retórica do ‘empoderamento’ da mulher, como se estivesse sempre implícita uma missão colectiva de libertar as mulheres de relações de opressão e de diminuta dignidade. Desta forma, o debate político transforma-se numa repetição de slogans que obedecem à narrativa do conflito entre sexos e do progressismo moral que tem a ‘igualdade de género’ como meta suprema.

É face a esta esmagadora influência das ideias feministas que se vão levantando vozes críticas. Porém, estas vozes não formam um todo homogéneo em termos de valores e motivações; como tal, é essencial esboçar uma divisão que ajude a organizar esta contra-cultura. Sendo um fenómeno ainda em andamento, estas divisões poderão não ser consensuais, mas proponho-as como um ponto de partida para facilitar a leitura da realidade. Neste ecossistema de contestação ao feminismo encontramos, grosso modo, três grupos: 1) as pós-feministas desencantadas; 2) as apologistas da vida doméstica; e 3) as guardiãs da tradição e da lei natural.

No primeiro grupo incluímos quem faz um exercício de revisionismo crítico ao feminismo. É o caso de Louise Perry, autora de “The Case Against the Sexual Revolution”, que ainda subscreve o feminismo na sua forma original, mas critica os excessos que tomaram conta da ‘terceira’ (a partir dos anos 90) e da ‘quarta’ (2013 em diante) ondas. Acredita que o feminismo contemporâneo deixou de emancipar mulheres para as empurrar para uma cultura sexual que as fragiliza, para uma fantasia de ‘libertação total’ que só serve os homens mais fortes, e para um anti-familismo militante. Neste grupo das pós-feministas desencantadas temos pessoas de diferentes alinhamentos ideológicos, pelo que facilmente incluímos aqui a ensaísta Camille Paglia, ‘feminista da equidade’, para quem a ‘terceira onda’ tem levado ao vitimismo dogmático, à infantilização e à desresponsabilização individual.

No segundo grupo, das apologistas da vida doméstica, também conhecidas como tradwives (esposas tradicionais), encontramos mulheres que procuram fugir à pressão e às frustrações do local de trabalho para se dedicarem essencialmente às responsabilidades familiares, enquanto o homem é o provedor da família. Peachy Keenan, autora do livro “Domestic Extremist”, trocou uma carreira bem remunerada numa empresa de entretenimento para conseguir dedicar-se totalmente à família. E é nesta sua nova condição que considera que o feminismo, com todas as suas promessas vazias, praticamente apagou o sentido e o propósito de ser mulher (https://www.prageru.com/videos/wife-mother-extremist), dando lugar a uma distopia feita de solidão, desespero e depressão.

Este grupo é diverso e é uma expressão do cansaço que decorre da difícil conciliação entre trabalho e aspirações familiares. Dentro da sua diversidade, ganha maior mediatismo a tendência das tradwives criadoras de conteúdos, inclusive as que se apresentam em frente à câmara com tripé a amassarem pão de fermentação lenta, a filetarem peixe ou a regarem flores numa quinta a perder de vista. É verdade que existem muitos casos de narcisismo e encenação idílica para gerar receita, como é próprio da nossa época (e é natural que tantas ostentem uma vida confortável, graças à monetização da sua audiência). Isso não significa que esses casos irrealistas sejam representativos da tendência, ou que todas as pessoas que escolhem a vida doméstica levem vidas de futilidade ou que romantizem essa opção. Pelo contrário, são pessoas normais que fogem ao risco de burnout e que buscam conexões e equilíbrio dos ritmos biológicos.

Chegamos finalmente ao que escolhi designar como grupo das guardiãs da tradição e da lei natural –  ou talvez deva dizer guardiões, pois não é pensado exclusivamente por mulheres. Este grupo constitui uma corrente histórica persistente que encarna a adesão consciente à lei natural, à família e à ordem moral. Pode ser aqui vista como categoria aspiracional porque existe mais em teoria do que na prática social visível, podendo ser um posicionamento raro, sub-representado, mas com relevância estratégica. Ao longo do tempo, indivíduos alinhados com esta visão estratégica da família e da comunidade têm permanecido em grande parte silenciados ou marginalizados pela pressão cultural e ideológica do feminismo dominante. Enquanto a maioria das tradwives só agora vão reconhecendo as pressões e angústias do mundo moderno, aqueles guardiões da tradição sempre tiveram noção das consequências desastrosas do feminismo e fazem um diagnóstico mais amplo.

Primeiro, sabem que assumir papéis tradicionais na família, hoje, na maior parte dos países ocidentais, não é uma escolha livre ou fácil, por força de vários obstáculos. Por um lado, pelo elemento do prestígio, pois as mulheres foram socializadas para colocar a carreira no centro da identidade. Por outro lado, existe uma estrutura de custos que é difícil de suportar quando o agregado familiar depende de um único rendimento. Portanto, é ilusório que a maioria das mulheres esteja em condições de escolher livremente dedicar-se apenas à família.

Em segundo lugar, estes guardiões reconhecem as pressões e as necessidades de todos os membros da família, não só da mulher. Significa isto que uma crítica conservadora completa não pode ser só um alarme para reequilibrar e salvar a mulher; também não é feita só para o aqui e o agora, nem é feita só para criar sensações de bem-estar, conforto, segurança e felicidade egoísta entre quatro paredes. É pensada para compreender as vulnerabilidades que continuam a perturbar as possibilidades familiares na sociedade no seu todo e nos exemplos que deixamos às próximas gerações.

Em terceiro lugar, os guardiões entendem que um acto familiar é virtuoso quando está alinhado com o telos da natureza humana e não apenas com desejos e comodidades no imediato. E aqui é que está uma diferença fundamental: enquanto umas medem vantagens e custos, os guardiões da tradição medem sentido, propósito e a ordem que sustenta a família como núcleo da vida humana. As pós-feministas desencantadas focam-se na “libertação” da mulher, as tradwives focam-se na plenitude doméstica da mulher, mas ambos os grupos tendem a desvalorizam o impacto do feminismo nos homens, nomeadamente a perda de propósito, a desvalorização social, a ausência de reconhecimento dos sacrifícios e a privação de arenas onde se treinem a coragem e a valentia, uma vez que só lhes restam simulacros.

Desafiar o feminismo no seu âmago é recuperar a intuição aristotélica de que a família não é um contrato entre vontades, mas uma comunidade orientada para o bem comum, onde homens e mulheres cumprem papéis complementares que estruturam a vida moral. Isto exige reconhecer que a vontade individual, por vezes, deve ceder perante uma ordem mais elevada, aquela que funda o lar como pequena república. E essa república é sempre imperfeita: é feita de renúncias, teimosias e pequenos actos heróicos silenciosos. Mas é justamente aí, nessa tentativa diária de manter o mundo à tona e de sacrificar pelo amanhã, que reside a sua nobreza.