Candidatos à liderança do CDS debatem o “posicionamento” do partido como se estivessem a falar de uma empresa ou de um produto no mercado de consumo.

Posicionamento é um conceito de marketing. Faz parte da tríade conhecida por STP (segmentation, targeting, positioning) e pode ser resumido como o lugar do que se designa por brand (marca) ocupa na memória da sua audiência alvo. Brand é um conceito de gestão que expressa uma identidade que encerra a entrega ao consumidor de uma determinada promessa de qualidade de um produto ou serviço.

É certo que um partido, tal como cada político individualmente, é uma construção percebida pelo eleitorado a partir de uma ideia memorável, que pode ser considerada, tratada e comunicada com as técnicas de gestão utilizadas no branding.

Mas um partido é muito mais que um bem transacionável. Trata-se de um grupo de pessoas que se unem para defender determinado tipo de interesses e persuadir outros de que esses interesses favorecem o bem comum, de modo organizado através de eleições, assente numa ideologia ou não. A identidade do partido é política e a promessa é a execução da respetiva ação política.

Alguns candidatos defendem que o CDS se deve “posicionar” como “conservador”, outros como “de direita” e todos parecem esquecer que o CDS foi fundado como um partido de centro: Centro Democrático Social.

Eu diria, utilizando a imagem de Adriano Moreira na grande entrevista que deu há dias ao “Diário de Notícias”, que o “eixo da roda” do CDS deve continuar a ser o seu eixo fundacional: a democracia-cristã. Adriano Moreira está convencido que “a doutrina social da Igreja continua ser o núcleo do CDS” e que o “o Papa Francisco é uma referência fundamental da doutrina social da Igreja”.

Uma das características mais marcantes dos partidos democrata-cristãos é que tenderão a ser socialmente conservadores. Ou seja, utilizando essa expressão maniqueísta e desprovida de sentido, são de centro-direita, mas de centro-esquerda no que respeita à economia, de acordo com os princípios da chamada economia social de mercado: primado do indivíduo, economia de mercado livre, propriedade privada, governo promotor e regulador de mercados competitivos, distributivo da riqueza gerada, segurança social, cooperação e coesão social.

Todavia, mesmo os aspetos conservadores estão hoje muito mais esbatidos porque as sociedades se tornaram mais miscigenadas, com práticas sociais e culturais diversas, muitas delas partilhadas, o que tem vindo a ser refletido em legislação que acompanha a contemporaneidade de costumes mais abertos e tolerantes. Os indivíduos têm hoje liberdade não apenas de pensar e exprimir a sua opinião, como de afirmar sem censura a sua individualidade comportamental e criatividade.

Os partidos democrata-cristãos têm de aprender a compreender e a aceitar práticas sociais e culturais que tornam felizes quem as pratica e que em nada diminuem a liberdade de quem as não pratica.

Também Freitas do Amaral considera que a doutrina social da Igreja, iniciada pelo Papa Leão XIII em 1891, é hoje “vivificada de modo ímpar” pelo Papa Francisco. O Papa “é, de facto, rigorosamente fiel a todos os ensinamentos sociais de Jesus Cristo”, escreve Freitas do Amaral num ensaio póstumo da Bertrand Editora e do Círculo de Leitores sobre “As Ideias Políticas e Sociais de Jesus Cristo”.

Freitas do Amaral explica que, embora Cristo não tivesse “ambições políticas, não ocupou cargos políticos, nem criou nenhum movimento político, o certo é que tinha, como é natural, ideias políticas”, que a máxima “a Deus o que é de Deus, a César o que é de César” resume definitivamente.

Na interpretação que faz do Evangelho segundo S. Marcos, Freitas do Amaral afirma que o Estado foi feito para o Homem, e não o Homem para o Estado” e que os poderes da autoridade do Estado são apenas “um meio para alcançar um fim, o bem comum é que é o fim a atingir”.

Conclui Freitas do Amaral que “Jesus Cristo — reafirmando sempre que ‘o seu reino não era deste mundo’, pelo que ele não pretendia ser, nem foi, um líder político ou um governante — traçou os princípios fundamentais de uma conceção política humanista e civilizada: a paz entre as nações, a não-violência como método de convivência humana, a concórdia no seio das famílias, a separação entre a Igreja e o Estado, o dever de pagar impostos, a obrigação de obediência às leis e às decisões legítimas dos órgãos governativos, a função governamental como um serviço prestado a todos, e não como um privilégio pessoal a desfrutar em proveito próprio, e a raiz dos Direitos Humanos, assentes no direito à vida (“não matarás”), à liberdade religiosa (Sermão da Montanha), à proteção da sociedade aos mais pobres (idem) e no dever de amar e respeitar o próximo como a si mesmo”.

Estas ideias continuam tão atuais hoje como quando foram expressas. O CDS é o partido melhor “posicionado” para construir um programa político baseado nestas ideias políticas milenares, que fazem parte da memória coletiva de milhões de pessoas, quer sejam cristãos ou não cristãos. Não é preciso inventar a roda. O eixo já lá está e extravasa largamente o CDS. Mas é preciso inventar uma política sem rótulos que demonstre estar baseada nestes princípios e comunicá-la de modo impositivo, persuasivo e convincente da sua praticabilidade e contemporaneidade.