“Gentrificação” é candidata a Palavra do Ano, já que – assim se lê no site do concurso – «o aumento do turismo tem posto em evidência novos desafios e novas realidades, como a gentrificação, que se faz sentir nas principais cidades do país.» Vale a pena perguntar à Porto Editora quais são, no seu entender, as principais cidades do país. É provável que a resposta vá gerar novo episódio de indignação, pois parece-me óbvio que se está a pensar somente em Lisboa e Porto. O resto é paisagem. Claro que ser uma editora a ignorar 16 capitais de distrito é menos grave que ser um partido a fazê-lo, mas vejo aqui potencial para uma revolta “facebookiana”.

Vale a pena pedir-lhe também a referida evidência, empírica de preferência. Sem ela, estabelecer uma relação causal entre fluxos turísticos e caracterização sociodemográfica ou evolução do mercado imobiliário é mera manifestação de “achismo”. É a metodologia do Bruno Aleixo, só que sem piada. No primeiro artigo que aqui publiquei, intitulado precisamente “Gent(r)ificação”, escrevi sobre esse exercício comum em Portugal que é o de proferir afirmações de natureza factual sem providenciar quaisquer dados que as sustentem e chamar-lhes “evidências”. Certo é que, muitas vezes, os dados não existem ou não estão disponíveis.

O Dia Mundial das Cidades trouxe uma boa novidade: estatísticas de preços da habitação ao nível local, resultado de um protocolo entre o Instituto Nacional de Estatística e a Autoridade Tributária. Os dados são unicamente para as vendas, somente a partir de 2016 e ao nível da freguesia abrangem apenas Lisboa e Porto, mas é um começo. Também para um debate informado, espero.

Na lista de potenciais palavras do ano, está também vencedor. O primeiro lugar de Salvador Sobral na Eurovisão é o motivo. Mas bem podia ter sido o facto de Portugal haver vencido, em Outubro, o Festival de Cannes do turismo. Depois da Europa, o mundo! E, assim, na gala dos World Travel Awards, às Palmas de Ouro juntaram-se os Óscares de melhor destino turístico, de melhor destino insular e de melhor organismo oficial de turismo, respectivamente, para Portugal, para a Madeira e para o Turismo de Portugal. Já Lisboa foi considerada o melhor city break do mundo sem que tivesse ganhado a versão europeia (razão tinha o João Pinto sobre Vítor Baía).

Crescimento é outra das dez palavras em votação. Escolhida porque caracterizou o comportamento da economia portuguesa em 2017. E para ele muito contribuiu o sector do turismo, que tem crescido a um ritmo superior ao da economia como um todo. Isso mesmo nos diz a Conta Satélite do Turismo, reactivada com um protocolo entre Instituto Nacional de Estatística e Turismo de Portugal, em Março de 2015, depois de ter sido suspensa em 2010.

Mais uma boa notícia neste final de ano. Trata-se de uma ferramenta fundamental para que possamos conhecer o contributo do sector para a economia nacional e perceber que há muita actividade turística para além do alojamento, da restauração e dos tuk-tuk. Ela está na produção cultural, nos transportes urbanos, em alguns serviços públicos ou na agricultura. Só para referir alguns exemplos.

“Entroikado” foi a palavra de 2012. Não é um campo semântico a que queiramos voltar. Portanto, que “turismofobia” não esteja nas candidatas a Palavra do Ano de 2018.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.

 

Disclaimer: As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente a sua autora.