A atividade económica e social parou abruptamente em todo o mundo. Com ela, verificou-se a redução das emissões planetárias de gases com efeito de estufa (GEEs) e a melhoria da qualidade do ar nas grandes cidades. Neste momento, toda a atenção está focada, e bem, em combater a nova ameaça e a grande recessão que certamente se seguirá.

É fácil esquecer que, há poucos meses, o debate sobre as alterações climáticas, os seus impactos socioeconómicos e a resposta coletiva ao problema vinham ganhando força, em particular na Europa com o lançamento do Pacto Ecológico Europeu, que visa converter o combate às alterações climáticas no novo modelo de crescimento económico do continente.

A Organização Mundial de Meteorologia (WMO) estima que globalmente, este ano, as emissões de carbono sofram uma queda de cerca de 6%, face aos níveis de 2019, devido à pandemia. Contudo, assim que a economia recupere, a WMO prevê que estas voltem ao normal.

Este número pode até parecer reduzido, mas, na realidade, é bem significativo. As emissões têm vindo a crescer, sustentadamente, ano após ano, mesmo após o compromisso de redução de emissões no âmbito do Acordo de Paris. Ultrapassa a redução de cerca de 2% na crise financeira global de 2008-2009, imediatamente revertida em 2010, com a recuperação da economia.

De um modo geral, apenas durante grandes recessões tem sido possível observar reduções de emissões, mas sem conduzir a alterações sistemáticas no modo de funcionamento da economia. Pelo contrário, a recuperação económica tem historicamente acontecido com forte subida da produção e emissões, sacrificando as preocupações ambientais.

Os últimos dados da WMO publicados no passado dia 22 de abril, coincidindo com o 50º aniversário do Dia Mundial da Terra, indicam que os níveis de dióxido de carbono e outros GEEs atingiram níveis recorde em 2019 (WMO Global Climate 2015-2019 Report, 2020). Em comparação com os cinco anos imediatamente anteriores, os últimos cinco anos (2015-2019) viram um aumento continuado nas emissões e um acelerar da sua concentração na atmosfera. O problema do aquecimento global tem vindo a acelerar, atingindo um novo pico nos últimos cinco anos, os mais quentes desde que existem registos.

Espera-se que a tendência continue. Os GEEs ficam na atmosfera e nos oceanos ao longo de séculos. Por isso, as alterações climáticas vão manter-se, independentemente de qualquer queda temporária nas emissões. A não ser que o mundo as consiga mitigar tal conduzirá a problemas de saúde persistentes, insegurança alimentar, incapacidade de alimentar a população mundial crescente e cada vez maiores impactos na economia.

Também a poluição atmosférica está entre os principais fatores de risco de morte em todo o mundo. É reconhecida há muito como aumentando a probabilidade de desenvolvimento de doenças cardíacas, doenças respiratórias crónicas, infeções pulmonares e cancro. Em 2017, a poluição do ar foi o quinto maior fator de risco de mortalidade no mundo e foi associada a cerca de cinco milhões de mortes globalmente (State of Global Air, 2019).

Em média, a poluição do ar reduziu a esperança média de vida em um ano e oito meses em todo o mundo, um impacto global que rivaliza com o do tabagismo. Isso significa que uma criança que nasce hoje morrerá, em média, 20 meses mais cedo do que seria esperado na ausência de poluição do ar. Mais de 90% das pessoas em todo o mundo vivem em áreas em que a concentração de poluição excede as Diretrizes da Organização Mundial de Saúde para um ar saudável. Estes números, tipicamente negligenciados, não nos devem deixar indiferentes.

A pandemia tem provocado uma resposta global diferente de tudo o que antes observámos. Temos testemunhado mudanças que não pareciam possíveis apenas há algumas semanas atrás. Verificou-se a completa reorganização de como trabalhamos, viajamos e socializamos. As empresas têm assumindo novos papéis para responder à crise. Os governos aprovam pacotes de estímulos económicos para apoiar as empresas e a sociedade e evitar a ameaça de uma depressão global.

Em teoria, o momento que vivemos pode ser encarado como uma oportunidade para reconstruir a economia e a sociedade, combatendo de forma integrada a crise económica e climática, quando somos alertados pelos cientistas que nos restam dez anos para evitar mudanças climáticas irreversíveis. Seria dramático se a crise económica em que estamos a mergulhar fosse mais uma desculpa para um retrocesso nas políticas de descarbonização e de promoção da sustentabilidade ambiental.

Nos próximos meses serão tomadas decisões cruciais.

Na análise das diferentes opções é necessário não apenas avaliar a melhor forma de ultrapassar as dificuldades de curto prazo, mas também considerar a obtenção de benefícios climáticos a longo prazo, se os estímulos económicos estiverem ligados a esses objetivos, trilhando o percurso rumo a um mundo mais seguro, sustentável, justo e resiliente, onde seja possível não apenas sobrevivermos, mas acima de tudo prosperarmos em harmonia com a Natureza.

Até agora, os pacotes de estímulos lançados pelos governos dos Estados Unidos, China e Europa têm-se concentrado essencialmente em reduzir os danos nas indústrias existentes. Mas estamos apenas no início.

A União Europeia (UE) prepara apoios económicos sem precedentes que devem usados com visão de longo prazo. A UE tem dado sinais que pretende que o Pacto Ecológico Europeu esteja no centro do plano de recuperação da economia, e que o relançamento e modernização da economia passarão por investimentos massivos nas transições Verde e Digital e na economia circular. Há que ter em conta o impacto ambiental das empresas quando se aprovam empréstimos e investimentos.

É importante o desenvolvimento e investimento na transição energética, na eficiência energética em edifícios e processos industriais, em redes inteligentes num contexto de eletrificação, na mobilidade sustentável, no desenvolvimento e utilização de tecnologias para descarbonização da indústria, no repensar de produtos mais duráveis, reparáveis, reutilizáveis e recicláveis.

Assim como deve ser aproveitada a nova realidade digital de reuniões virtuais e do teletrabalho para reduzir viagens e emissões poluentes. Tais investimentos e a transição para um futuro de baixo carbono e ainda mais digital permitem quer a redução do risco, quer novas fontes de crescimento e emprego.

Também, sem cair no protecionismo, há que garantir a possibilidade de produzir mais na Europa, assegurar algum grau de autossuficiência a nível agrícola e industrial, e de diversificação de fornecedores, garantindo a segurança e soberania, para além da redução de emissões, nomeadamente ao nível de transporte.

Em suma, embora neste momento todas as forças devam estar concentradas para derrotar a pandemia e reativar a economia, salvar vidas e meios de subsistência, também é crítica a construção de uma maior resiliência económica e ambiental como parte integrante da recuperação.

Tudo o que temos vivenciado nas últimas semanas nos mostra que uma resposta global em larga escala é possível. É preciso alargar esta onda de proatividade e apoiar populações vulneráveis em todos os contextos, incluindo as mais expostas aos impactos das alterações climáticas. A inovação, a ciência e o mundo a trabalhar em conjunto são capazes de feitos espantosos.