“A Automação tem uma implementação rápida durante as recessões económicas, e permanecem para além delas” – Daron Acemoglu, Economista IMT

Durante o último ano, sobretudo nas alturas de maiores restrições por virtude da pandemia e que forçaram ao confinamento, trabalhar a partir de casa tronou-se um hábito incontornável para uma boa parte da população. Estas alterações trouxeram uma alteração da perceção tradicional sobre a dependência do trabalho relativamente ao local físico de trabalho – o escritório da empresa pode estender-se com teletrabalho, as escolas podem continuar a funcionar com soluções de ensino virtual, e a utilização digital para produtos de consumo (como supermercados), ou serviços (como consultas médicas) aumentou de forma significativa. À medida que esta transformação digital se for tornando mais permanente, muitos sectores irão adaptar-se a uma era de maior investimento em maior autonomia e flexibilidade do emprego, e também em sistemas de maior tecnologia nas linhas de produção. Ou seja, o Covid-19 pode ter espoletado um novo ciclo de automação que pode causar uma significativa perda de postos de trabalho tradicionais nos próximos anos. Esta transformação estrutural pós-covid, irá exigir também uma alteração profunda da forma como os programas de recuperação das economias afetadas vão ser aplicados.

 

A mudança de paradigma da sociedade industrial
As economias desenvolvidas têm vindo a registar um declínio nos empregos ligados à indústria devido ao à deslocalização da produção para locais com menores custos (sobretudo países emergentes), mas também devido às sucessivas vagas de automação industrial. Esta tendência agora está gradualmente a estender-se para muitos sectores de serviços, e uma alteração de comportamentos relativamente ao trabalho remoto tornou muitas áreas dentro dos serviços automatizáveis e transferíveis para deslocalização geográfica. A evolução da tecnologia tem vindo a acelerar de ritmo, num mundo onde o armazenamento de dados e a recolha de informação, variável vital para desenvolver automatismos com aplicações industriais, se encontra cada vez mais acessível. Ou seja, cada vez existe mais informação disponível (com os comportamentos dos consumidores a terem uma maior impressão digital) e os custos associados são cada vez mais baixos para maiores capacidades.

Um relatório da consultora Mckinsey (2017), apontou para a possibilidade de se perderem entre 400 a 800 milhões de postos de trabalho a nível global até 2030, pelo efeito de substituição provocada pela implementação de maior tecnologia de automação na atividade das empresas, na senda de uma maior eficiência operacional. Só nos Estados Unidos, a maior economia mundial, o efeito de substituição pode atingir até um terço dos postos de trabalho, algo entre os 40 e 70 milhões, que deverão ser extintos.

À cabeça os sectores com recurso intensivo a postos de trabalho menos qualificados são os que estão mais em risco (retalho, agrícola ou construção), mas existem também sectores tradicionais qualificados onde as mudanças podem ser significativas, como é o exemplo do sector financeiro ou segurador. Afinal, para além das possibilidades tecnológicas que permitem tornar o trabalho flexível e remoto, este é também um mundo onde os mercados emergentes já não olham apenas para a indústria como o único trampolim para crescer, e capitalizam nos avanços da tecnologia (que hoje é mais acessível e evoluída) para atrair para si, a deslocalização de funções nestes sectores mais tradicionais e onde podem ser mais competitivos no custo por hora de trabalho.

 

A pandemia acelerou processo de infraestruturação digital
Durante os últimos 12 meses as empresas foram forçadas a despir-se de preconceitos antigos e a vencer a inércia relativamente ao trabalho remoto, e implementaram avanços significativos em termos de solução de trabalho remoto e automação. Um estudo publico do CitiGPS (Tecnology at work 5.0) salienta que os avanços na tecnologia significaram que cerca de 52% dos EUA dos postos de trabalhos estão em condições de ser executados de forma remota. Estas alterações relativamente ao trabalho remoto criaram uma aceleração da criação de infraestrutura digital e que irá perdurar para além da pandemia, e alimentar maior automação. E estes podem ser alguns dos catalisadores:

i) As empresas poderão preferir investir mais em soluções de automação, do que voltar a recrutar para postos de trabalho – levando a destruição permanente de emprego. Esta foi já uma tendência que se verificou na Grande Recessão, e que poderá ganhar maior dimensão face ao potencial associado às recentes inovações feitas durante os confinamentos.

 

ii) A necessidade de proteger a empresa de futuros choques similares. O comércio on-line aumentou de forma significativa, mas mesmo assim em alguns países a pressão para que a linha de distribuição destes sectores fosse interrompida durante alturas críticas da pandemia existiu – pela concentração de trabalhadores nas instalações destas empresas. Na área de logística e armazéns ainda existem barreiras difíceis de transpor para automação, mas as crescentes soluções de inovação podem fazer desta fase, uma altura para os empresários reestruturarem as operações e protegerem o seu negócio.

 

iii) Os padrões de consumo dos consumidores podem sofrer alterações. Em primeiro lugar, porque é natural que algum hábito de consumo online tenha vindo para ficar – por exemplo, socializar em casa e pedir a refeição do restaurante preferido para ser entregue em casa, em vez da deslocação ao restaurante. Por outro lado, na primeira fase de recuperação pós pandemia os rendimentos das famílias deverão ser menores, levando a uma preferência por bens e serviços mais baratos – isto também se verificou na ressaca da crise de 2008, com as cadeias de fast-food a capitalizarem neste fator. A automação pode também ser uma resposta para que as empresas possam responder com produtos mais competitivos para um consumidor mais frágil, ou com padrões de consumo mais personalizados.

 

Um desafio para os governos e instituições: estimular a mudança e proteger emprego
A história tem demonstrado que não é líquido que os ciclos de transformação aportem destruição de postos de trabalho. Por exemplo, no princípio do século XX, cerca de 40% da população norte-americana trabalhava no setor primário, hoje em dia não chega a 2%, embora a maior economia mundial permaneça com taxas de desemprego baixas. Mais recentemente, na década de 80, a introdução dos computadores pessoais (PC) nas empresas, que era vista como ameaça, acabou por ser uma criadora líquida de emprego – entre postos trabalho perdidos e criados, a consultora Mckinsey no mesmo estudo citado acima sobre tecnologia e destruição de emprego, identificou um efeito positivo de 18,5 milhões de postos de trabalho associados à introdução do PC. Ou seja, o ciclo marcado pelas novas tecnologias destrói empregos, mas não necessariamente trabalho. As alterações de ciclo criam indústrias novas, e à medida que vão deixando as tecnologias existentes obsoletas, vão originando novas oportunidades.

Neste sentido, aceleração do processo de inovação digital pode por isso originar uma nova vaga de automação, o que significa que os empregos do futuro serão os que possam estar imunizados dos processos de mecanização industrial (e não só…), mas também da deslocalização de operações que a nova realidade do trabalho remoto vem colocar em cima da mesa. Isto significa, que os governos e instituições terão um papel importante para apoiar os cidadãos nesta disrupção social – e isto significa que incutir os incentivos fiscais necessários para criar o maior número de empregos possíveis provenientes das tendências da economia verde e digital. Olhando mais a médio prazo, as políticas públicas e estímulos precisam de se centrar em criar vantagens competitivas no que diz respeito à inovação e ao desenvolvimento de ecossistemas que sejam amigas do empreendedorismo nestes novos sectores.

 

Bottom’s up: A Europa e sobretudo, Portugal têm caminho para percorrer
A União Europeia tem vindo a encetar iniciativas que visam apostar na transição digital – é uma das 6 prioridades fundamentais da Comissão Europeia para a próxima década – com o objetivo de incentivar a transição para os objetivos de carbono zero, mas também para diminuir o diferencial de competitividade tecnológica que existe atualmente versus Estados Unidos e China. Em março, a Comissão Europeia publicou o “Compasso Digital Europeu” com objetivos concretos até 2030 para atingir – com quatro vetores relevantes: Infraestruturas, Competências, Transição digital no sector Empresarial e sector Público. E de acordo com estes critérios, de acordo com o relatório publicado em maio pelo Internacional Affairs Network “Portugal Digital” Portugal tem registado progressos sobretudo no que diz respeito ao sector público. No entanto, apresenta leituras fracas no que diz respeito a indicadores e empresariais e humanos, que mostram uma perca de capacidade de competir com os principais comparáveis de mercado – que fica evidenciado pelas sucessivas quedas nos últimos anos na generalidade dos rankings de digitalização, sendo inclusivamente ultrapassado pelos países que se juntaram à união europeia depois de 2004. Importa por isso, implementar medidas públicas que permitam não apenas aproveitar os Fundos Europeus no sentido de promover esta transição, mas também de quebrar o ciclo e criar uma economia verde e geradora de emprego sustentável para as próximas gerações.