A pouco menos de dois meses desde que foi confirmado o primeiro caso de infeção pelo SARS-CoV-19 em Portugal, o país prepara-se para a realização do quarto ato eleitoral em plena pandemia. Seria expectável que, por esta altura, todas as condições estivessem já criadas para que todas as pessoas, inclusivamente, quem se encontra ou possa vir a encontrar em isolamento, possam exercer o seu direito ao voto.

Contudo, não é essa a realidade e, até à data, o Governo limitou-se a solicitar um parecer à Procuradoria-Geral da República. Parecer este que corre o risco de não ser proferido a tempo de evitar que milhares de eleitores sejam impedidos de escolher quem os irá representar na próxima legislatura, devido a uma incompreensível rigidez do prazo para votação em tempos de exceção.

Na ausência de uma alteração ao regime excecional em vigor, as eleições legislativas, marcadas para 30 de janeiro de 2022, decorrerão nos mesmos moldes das eleições autárquicas (26 de setembro de 2021) e das presidenciais (24 janeiro de 2021). E, tal como nestes atos, milhares ver-se-ão novamente impedidos de votar. Oficialmente, não é conhecido o número de cidadãos que, nestes dois últimos atos eleitorais se viram impedidos deste direito constitucionalmente reconhecido, fala-se que poderá ter sido da ordem dos 100 a 150 mil eleitores, só nas presidenciais, por terem ficado confinados após o término do prazo de inscrição para o voto em casa.

Noutro sentido, e olhando para os dados da Direção-Geral de Saúde, outros cálculos apontam para um número que poderão elevar aquela estimativa, pois que no intervalo de tempo entre o fim das inscrições para o voto e o dia para o exercício de voto nas presidenciais, mais de 67 mil pessoas testaram positivo para a Covid-19. Ainda que entre estes pudesse haver quem já tivesse votado, menores e outras pessoas sem direito ao voto, no mesmo período encontravam-se em vigilância mais de 210 mil pessoas.

Isto num país em que os níveis de abstenção vêm aumentando desde os anos de 1990 e em que, só nas últimas eleições legislativas, em 2019, 51,4% dos portugueses não se deslocaram às urnas, colocando Portugal entre um dos países da Europa ocidental onde a participação eleitoral mais tem diminuído. Não seria de termos como uma das preocupações centrais a criação de condições efetivas para que esta pandemia não viesse, também ela, contribuir para o empobrecimento do exercício democrático?

Com o escalar do número de novas infeções pela nova variante Ómicron, que nesta semana se aproxima dos 40 mil novos casos diários e com cerca de 500 mil pessoas em isolamento, em linha com as previsões, por que temos esperado?

A incompreensível e inaceitável inércia nesta matéria não é, lamentavelmente, caso único. No passado recente, várias medidas, aprovadas no Parlamento “Bloco Central” do PS e o PSD têm vindo a contribuir precisamente para o afastamento das pessoas da vida política como foi o fim dos debates quinzenais ou a alteração (posteriormente corrigida) da lei das autarquias locais

Se é verdade que esta crise sanitária já nos demonstrou que a saúde do planeta e humana são uma só e nos trouxe desafios à escala global, em particular sociais e económicos, está nas nossas mãos impedir que desta pandemia se venha igualmente a traduzir-se num enfraquecimento de um dos mais importantes pilares da participação democrática: votar!