No atual contexto, quem não invoca a trilogia “peste, guerra e fome” dos velhos manuais de História? Aprendíamos que seriam reguladores demográficos, económicos e sociais. Combinados, evitavam o crescimento descontrolado da população e assim a pressão sobre os parcos recursos disponíveis.
Ainda que estes três episódios tenham estado presentes até tarde na história das economias desenvolvidas, o pós-Segunda Guerra Mundial foi descrito nos compêndios como a rutura com um passado de trevas. Um período de prosperidade económica e progressos notáveis da medicina teria permitido erradicar a palavra “peste” do léxico, enquanto um desejo de paz levaria a Europa a edificar instituições complexas como a construção de uma moeda única. Pôr termo à fome mundial, ainda que com exceções, acabaria por chegar no início do novo milénio.
Foi assim que, aterrorizados, assistimos a uma pandemia que nos votaria a um longo confinamento e a uma recessão profunda, malgrado todas as medidas para contrariá-la. E enquanto ainda procurávamos conforto em leituras como “A Peste” de Albert Camus e em discutir como refrear uma inflação causada pela incapacidade de adaptação da oferta à retoma da procura, a guerra irrompia mesmo aqui ao lado.
Se a invasão da Ucrânia orienta as reflexões para os estragos políticos do século XX, no domínio prático a inflação intensifica-se, precipitada pela escassez de recursos estratégicos e pelas sanções impostas ao seu perpetrador.
A resposta ocidental acentuou a subida do preço dos bens alimentares e energéticos, bem como a dos fertilizantes, fazendo temer consequências mais graves. Os seus efeitos, ainda que generalizados, afetem sobretudo as famílias de menores recursos – no caso português estes bens representam metade da sua despesa, contra 30% para o quartil dos mais ricos (Banco de Portugal, 2022).
Este desequilíbrio, que acentuará a desigualdade já acicatada pela pandemia, será sobretudo grave se vier a manifestar-se sob a forma de fome ou subnutrição para o grupo mais frágil da população, um problema que julgávamos permanentemente resolvido. Teremos a segurança alimentar que dávamos como garantida?
E não, subir a taxa de juro não será a resposta. Pelo contrário, encarecerá os empréstimos das famílias, agravados pelo crescimento do preço da habitação. Dados da OCDE colocam as famílias portuguesas, sobretudo as de baixos rendimentos, como as que mais sentem o peso dos empréstimos à habitação.
Só há uma de duas saídas para esta trilogia. A primeira, uma resposta de longo prazo que não deve ser descurada, implica reduzir a dependência energética e alimentar dos países à escala mundial. A fragilidade que resulta da solução global encontrada é demasiado evidente e tem agora um bom pretexto para ser resolvida.
A segunda, de mais curto prazo, é reconhecer que é urgente terminar a guerra. É notório que a escalada de sanções não resolve o problema. A Rússia já mostrou que está disposta a ripostar, exigindo aos países da União Europeia o pagamento em rublos das suas exportações de gás. As sanções à Rússia são assim sanções infligidas à economia mundial – depender da Ucrânia como celeiro mundial ainda o amplia mais.
Aqueles que têm a seu cargo responsabilidades políticas, em particular as Nações Unidas, têm a obrigação moral de trabalhar a diplomacia e promover o cessar-fogo. Estudar história só não terá sido em vão se evitarmos que esta se repita, sobretudo quando em jeito de tragédia.
É importante não esquecer que não há guerras justas e injustas. Toda a guerra é um crime contra a Humanidade.