Apesar da estimativa de excedente orçamental para 2023, que permitiria ao Governo flexibilidade na definição das grandes opções para o exercício orçamental, a revisão em baixa da previsão do crescimento económico para 2024, a persistência de taxas de juro elevadas, a pressão inflacionista, a crise na habitação e uma continuada erosão do poder de compra das famílias, a par dos conflitos armados em várias partes do globo e cuja resolução tarda em chegar, contribuíram para a construção de um contexto macroeconómico pouco animador e marcado por um clima de incerteza e instabilidade político-económica.

Nesta linha, entendo que a PL OE não reflete um orçamento expansionista, que privilegie o estímulo ou a competitividade da economia e das empresas ou que promova reformas estruturais, como tem vindo a ser reivindicado pelas empresas e parceiros sociais. Este será, a julgar pela proposta agora apresentada, um orçamento que privilegia a prudência e consolidação orçamental e voltado para algum alívio fiscal sobre os rendimentos das famílias e dos jovens.

Recorde-se que a PL OE é aprovada na sequência da celebração de um Acordo de Remunerações, no qual foi assumido um compromisso coletivo com vista à melhoria dos rendimentos dos trabalhadores e famílias, mas também (e não menos importante) a melhoria da produtividade, crescimento e competitividade das empresas.

A PL OE toma assim como prioritária a devolução de rendimentos aos trabalhadores e famílias, com reflexo na atualização dos escalões de IRS em cerca de 3% (abaixo da inflação de 3.3% prevista para 2024 e da valorização nominal das remunerações por trabalhador de 5% prevista no Acordo de Remunerações), da descida das taxas de IRS para rendimentos até ao 5.º escalão, o alargamento do IRS Jovem e a revisão do mínimo de existência. De destacar ainda as medidas que incentivam a participação de trabalhadores nos lucros das empresas ou o desagravamento fiscal sobre rendimentos em espécie sob a forma de atribuição de
habitação a trabalhadores.

Por outro lado, atendendo ao abrandamento do crescimento económico e à trajetória descendente da produtividade do nosso tecido empresarial, esperavam-se medidas fiscais com maior impacto na tesouraria das empresas, na sua capacidade de contratação, de crescimento e de estímulo à economia em geral. A PL OE fica aquém do esperado e exigido pelas empresas, contendo apenas medidas tímidas de alívio fiscal, como a ligeira redução das tributações autónomas incidentes sobre encargos com viaturas, a introdução de taxa reduzida de IRC de 12,5% aplicável aos lucros de startups até €50 mil ou do reforço do incentivo fiscal à capitalização das empresas.

A revogação do regime fiscal para residentes não habituais é o elefante na sala desta PL OE e que irá, seguramente, comprometer a captação de talento para Portugal. Esperamos que o Governo reconsidere esta opção política durante o debate na especialidade e que o regime seja reposto, ainda que possa eventualmente ser revisto num ou noutro ponto.

É ainda alargado o âmbito de aplicação do Programa Regressar, onde o Governo reposiciona as intenções inicialmente trazidas a
público no sentido da eliminação de regimes de incentivo à chegada de trabalhadores qualificados ao nosso país, a cobro dos argumentos de injustiça fiscal ou da crise da habitação, medidas que viriam em contraciclo com a necessidade de estímulo da economia e, acima de tudo, de captação de talento qualificado para atividades de elevado valor acrescentado.