As últimas sondagens indicam um cenário de quase empate entre o PS e o PSD, um cenário que, há dois meses, dificilmente se colocaria. O nepotismo socialista falou mais alto ao coração dos portugueses que a mais elevada carga fiscal de sempre, por exemplo. Falou também mais alto que o desgoverno embaraçoso de Tancos. Falou até mais alto que os incêndios que pararam o país no verão de 2017.
Não está errado. A teia de relações familiares do PS é de tal forma tentacular que causou indignação porque toca numa ferida que não tem classe nem escalão de rendimento: a ideia de que há privilégios para os amigos dos governantes. Mas como critério de análise, e sobretudo de escolha partidária no momento de ir votar, deixa um mundo a desejar.
Não votamos no Bloco depois de Robles. Não votamos em Costa depois de ter apadrinhado as famílias socialistas. Não votamos no Partido Comunista porque nem sequer conta para quem vive no mundo real. Não votamos de todo porque já tudo nos parece igual. Afinal voltamos a votar PSD porque Rui Rio, apesar de tudo, é mais sério do que Costa.
O que definitivamente não temos à nossa disposição como critério de escolha são políticas. Não ao centro, pelo menos, onde historicamente nos sentimos sempre mais confortáveis em votar. Antes da troika, a alternância fazia-se entre projectos ideológicos e políticos. Depois da troika, pensámos que o PSD tinha perdido o leme para Bruxelas e virámo-nos para a alternativa, expurgada de Sócrates e de (alguns) socráticos. Escolhemos o centro como sempre, mas a matemática do Parlamento foi tomada de assalto pela esquerda.
Tememos o pior, mas o pior não foi trágico. As contas aguentaram-se, o Bloco revelou-se no que de mais autêntico tem: um partido hipócrita e estridente que chegou a animar uma minoria intelectual mais jovem que, à medida que envelhece e assiste ao oportunismo do partido que apoiou, regressa a casa, no PS. O PC emudeceu. A geringonça funcionou, sobretudo para o PS.
O que não temos, nem no centro, nem na esquerda, nem na direita, são políticas. Um projeto para o país, para nós. Cristalizámos no mesmo sítio onde nos deixaram há cinco anos, quando a troika partiu. Um país cujo Estado é demasiado grande e que a direita não aproveitou para resolver. Um país com a mais elevada carga fiscal da União Europeia, que a direita deixou e a esquerda agravou. Um país que pondera que trabalhemos até morrer porque não tem coragem para resolver uma Segurança Social que vai colapsar, mesmo que vivamos e trabalhamos até aos 100 anos e que grita por um novo modelo. Um país em que o único grande projeto de desenvolvimento que tem para mostrar se chama novo aeroporto, do qual já precisávamos há dez anos.
Em outubro, vamos repetir muito provavelmente a proeza de 2015: dois terços do país que vota, elegerá o centro. Com igual probabilidade, teremos uma geringonça a duas ou três cabeças. E, ainda com maior probabilidade, voltaremos a votar como se estivéssemos a torcer pelo nosso clube de futebol: sem razão, só emoção ou hábito. Talvez se houvesse realmente um projeto no qual votar não fosse assim.