No mundo crispado da política portuguesa, o relacionamento externo do país tem vindo a beneficiar de uma réstia de relativo consenso de Estado. Como é sabido, há quem se queixe disso, sob a ideia de que afinal vivemos numa espécie de “diplomacia reiterada“, que apenas passa por ser uma política externa. Mas há quem valorize esse facto, argumentando que, para um país como o nosso, com algumas persistentes fragilidades, essa imagem de continuidade e quase unidade na frente externa é um valor a cultivar.
O facto de PS, PSD e CDS terem tido responsabilidades partilhadas no palácio das Necessidades, e dos presidentes da República constitucionais terem revelado uma atitude basicamente comum face aos interesses internacionais do país, criou uma matriz condicionante, que tem evitado aventuras desviantes. A Europa, o Atlântico e a lusofonia, diáspora incluída, constituem o triângulo temático básico, intocado mesmo por algumas divergências ocorridas.
É verdade que, aqui ou ali, a alguns protagonistas mais sectários fugiu o pé para o dissenso, mas fica a sensação de que o país mede essas atitudes dissonantes pelo seu valor real, no mercado das ideias que vale a pena respeitar. Mas, atenção: nada garante que este estado de coisas se prolongue eternamente. O tema europeu e, nele, as áreas da segurança e defesa e a questão migratória já mostraram que o risco de derivas existe e pode emergir de novo, a qualquer passo.
Caso diferente são os dois partidos do sistema que, em tempo constitucional, nunca tiveram as menores responsabilidades governativas: o PCP e o Bloco.
Os comunistas, numa indiscutível e conservadora coerência, vivem na fidelidade ao que sobeja de um mundo que já desapareceu, cujos rituais de confronto formal persistem em observar, agora estimulados por uma administração americana que lhes fornece oportunas munições para o maniqueísmo. Moscovo já não é a União Soviética mas Putin é o sucedâneo possível para congregar as vozes contra o “satã” americano. A Europa, atravessada agora pela vaga populista, surge como aquilo que os comunistas sempre pensaram que era: um cúmplice subordinado da estratégia de Washington. Deve ser bom sentir o conforto das peças que encaixam num puzzle já antigo.
O Bloco, em termos de política externa, acaba por ser um fenómeno mais interessante. Nos debates estratégicos essenciais, tem, com o PCP, uma similitude na atitude face a Washington e à NATO, coisa que, convenhamos, se torna relativamente fácil, nestes sombrios tempos de Trump. Porém, ao contrário dos comunistas, a Rússia não serve de “farol” automático para o Bloco. Mais do que isso, sente-se que por ali se vive alguma “balcanização” interna de opiniões que, por vezes, obriga o partido a ser sensível a essa coisa complexa de identificar e de mobilizar para a sua defesa que é a liberdade. O esforçado equilíbrio retórico que o Bloco teve na questão da Venezuela, como já acontecera no caso de Angola, só não entra pelos olhos de quem não quer ver.
É impossível isentar a política externa das crises e das conjunturas. Mas, se queremos que ela seja um instrumento coerente para a construção do poder nacional, devemos cuidar em preservá-la das emoções cíclicas e, em especial, da demagogia.