No rescaldo do incêndio de Monchique, Marcelo confidenciou que a sua recandidatura estava nas mãos de Deus. Uma alteração relativamente à posição expressa há cerca de um ano, por altura dos incêndios de Pedrógão Grande.

Nessa altura, Marcelo colocou o seu destino presidencial nas mãos dos homens, mais concretamente do Governo, ao afirmar que não se recandidataria se, durante o mandato em curso, voltasse a haver um incêndio com aquelas proporções. Uma posição passível de duas interpretações. Por um lado, o louvável assumir da responsabilidade moral enquanto representante máximo de Portugal. Por outro, a ingenuidade de fazer depender a recandidatura não do desempenho próprio, mas da competência alheia.

Uma competência sobre a qual Marcelo tem dúvidas, que vai calando em nome da solidariedade institucional e da falta de alternativas mobilizadoras por parte da oposição. O Presidente sabe bem que, se a estratégia governamental de combate aos incêndios fosse o sucesso apregoado por António Costa, Monchique não teria ardido durante meia dúzia de dias. Tal como não desconhece que o Governo não cumpriu a promessa de passar a controlar o SIRESP.

Dados que terão de ser tomados em conta na análise da alteração da posição de Marcelo. Por isso, o Presidente afirmou que os incêndios não se podem comparar. Uma espécie de apagamento da referência traçada há um ano.

Como Maquiavel estipulou, nas coisas humanas o sucesso depende da ação do próprio e da sorte. Uma parceria fifty-fifty. Uma fórmula que Marcelo reabilitou, embora alterando as percentagens relativas porque, em Portugal, todos os Presidentes da República, independentemente do desempenho no mandato inicial, tiveram direito à reeleição.

Importa, portanto, colocar a tónica no outro fator. Aquele a que Maquiavel chamou sorte, fortuna ou destino. Um fator que Marcelo, enquanto crente, rebatizou. Adaptou-o à sua mundividência cristã. Chamou-lhe Deus. Um ser omnipresente, omnisciente e omnipotente. Por isso, é Ele – e não as Parcas – que tece a linha da vida e do destino.

Ao colocar a decisão da sua recandidatura nas mãos divinas, Marcelo está apenas a assumir as limitações e a finitude da condição humana. Um Presidente com tendência para a hiperatividade não deseja mudar de estilo, mesmo que isso lhe cause desmaios em direto. Sabe que não lhe será possível moderar a forma de estar na política. A luta contra a essência é uma batalha perdida.

Aliás, é essa essência que explica a inconfidência presidencial. Trazer para a ribalta as presidenciais de 2021 num cenário ainda marcado a quente pelo sofrimento e pelas queixas. Marcelo é assim! O povo, a fazer fé nas sondagens e nas imagens, gosta desta forma de ser Presidente. Ainda não se cansou dos afetos. Está satisfeito com as novas e contínuas  presidências abertas.

Hobbes teorizou que quando o povo alienava o Poder ao rei e este se transformava em tirano, só restava ao povo apelar a Deus para que levasse o rei tirano. No caso português, talvez seja tempo de o povo começar a rezar pela recandidatura de Marcelo.

Se a reza surtir efeito, o voto será um detalhe.