Os dados mais recentes da inflação na zona euro mostram um cenário preocupante para o ultimo trimestre do ano. Com os preços do petróleo a registarem uma correcção superior a 20% desde Junho, e o abrandamento sentido na economia mundial, seria de esperar uma descida nos dados da inflação, o que não aconteceu. Pelo contrário, em Julho, este indicador atingiu uns impressionantes 8,6% na zona euro.

Perante tal situação, Isabel Schnabel, governadora do Banco Central Europeu (BCE) veio referir que o ritmo de normalização das taxas de juro deverá manter-se, sinalizando que em Setembro teremos uma subida de mais 0,5%. Ora, esta será a primeira vez desde que o BCE foi criado que teremos uma subida acumulada nos juros de 1% em duas reuniões.

Contudo, as subidas das taxas não irão ficar por aqui. O BCE deverá subir os juros em todas as reuniões até Dezembro, o que significa que teremos uma taxa de 1% ainda este ano. Mas o mercado de futuros da taxa de juro Euribor a três meses para Dezembro de 2023 já está a indicar taxas próximas de 2%, o que constituirá uma forte pressão para famílias, empresas e governos.

A probabilidade da economia da zona euro entrar em recessão em 2023 está agora nos 60% face aos 30% registados em Junho, com a resposta tardia dos bancos centrais a um cenário de inflação, em parte criada por eles próprios, a ser um dos catalisadores. Mas nem tudo está sob o controlo do BCE, como seja o aumento do custo da energia eléctrica. Na Alemanha e na França, o preço por megawhatt/hora para 2023 passou os 600 euros, o que compara com os 80 euros registados em 2021.

Sublinhe-se que este aumento dos custos em mais de sete vezes irá ter um efeito devastador no poder de compra dos consumidores, bem como na viabilidade de grande parte da indústria europeia, que não terá outra alternativa que não reflectir este aumento de custos no consumidor, ou então encerrar.

Ao contrário do que aconteceu em 2020, a China não deverá ser o motor da recuperação económica, nem sequer um escape para exportações, tendo em conta os desenvolvimentos dos últimos 18 meses.

A política Covid-19 restritiva está a levar à deslocalização de indústria para países vizinhos, como por exemplo o Vietname, a que se soma a incerteza geopolítica, com o conflito China-Taiwan a tornar-se mais evidente, a fricção EUA-China com o maior proteccionismo e desglobalização do comércio de bens, e ainda o impacto do fim da bolha do imobiliário. Tudo isto está a contribuir para o forte abrandamento interno, e já levou o Banco Central da China a baixar os juros, agindo em contraciclo, numa tentativa de evitar uma paragem súbita da economia.

As consequências do cenário de incerteza que se tem vivido a nível mundial começam agora a revelar-se. O maior fundo soberano do mundo, o fundo da Noruega, anunciou perdas de 14,4% no seu portfolio, com a componente das acções a registar um contributo negativo de 17% e o das obrigações -9,3%. Foram 170 mil milhões de euros, ou 85% do PIB português, que desapareceram num semestre.

Por outro lado, sabe-se que a soma dos fundos soberanos geridos por Abu Dhabi ultrapassa o trilião de dólares.

A transferência de riqueza entre nações está em curso e será o ponto de viragem da sociedade ocidental. A solidariedade europeia será testada neste Inverno, no que começam a ser muitos testes a um bloco económico que apenas ambicionava a paz.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.