Sermos humanos é aprender a viver ao sabor da imprevisibilidade do tempo. Não sabemos o que o futuro nos traz e, por mais que tentemos fazer previsões, somos falíveis como oráculos. E se há algum medo nessa impossibilidade de descortinarmos os grandes acontecimentos que irão moldar o mundo em que vivemos, cedo aprendemos a viver nessa corda bamba e a lidar com as trevas e o caos que se vão iluminando e tomando forma.

Há uns meros cinco anos, dificilmente pensaríamos que nos 50 anos de Abril a democracia em Portugal estaria manchada e ameaçada, com grupos e partidos que disseminam o populismo e o ódio. Poderíamos argumentar que é, em parte, uma consequência da nossa inércia, convictos de que ainda vivíamos num país de brandos costumes. Mas não escapamos incólumes às intempéries que abrem rachas na nossa sociedade.

Chegados a esta encruzilhada, é um exercício quase inútil tentar prever a próxima década, quanto mais os próximos 50 anos. Falam-nos de guerra e ameaças às liberdades e direitos, falam-nos de crise climática global, falam-nos de repressão e autoritarismo, de desigualdades profundas entre 1% e 99%.

Que futuro podem esperar as minhas cinco sobrinhas, que vivem divididas entre a cultura do Mediterrâneo e a cultura europeia? Será mais fácil viverem entre as suas várias identidades e poderão esperar um mundo menos duro, exigente e desigual para com as mulheres? Ou terão de lidar com retrocessos e o aumento da violência?

Nestas alturas, é natural pensarmos nas próximas gerações, mas também olho para trás e penso para onde foi o nosso tempo, escoado por entre as agruras de inúmeros conflitos e crises, que nos privaram de estabilidade e esperança.

Lembro-me da história que me contaram sobre a minha bisavó libanesa, que tinha umas belíssimas sandálias guardadas para calçar no Dia do Juízo Final. Morreu durante a guerra que era, de certo modo, o fim do mundo que conhecera. Afinal, o Dia do Juízo Final pode tomar muitas formas e rostos.

Passei parte da minha vida adulta dividida entre a política e a literatura. Na política, aprendemos a pensar em ações, soluções e medidas concretas para o futuro. Na literatura, somos viajantes no tempo que procura dar sentido à vida, acometidos por emoções universais como nostalgia, deslumbramento, amor, horror, apatia, medo ou alegria.

Talvez nos próximos 50 anos tenhamos de aprender a dar mais propósito e emoção à ação concreta. Aprender que sem compaixão pelo outro ou crença na nossa humanidade, não podemos cumprir a promessa de um mundo melhor.