Na sequência da apresentação da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2022 (OE22), fazemos uma breve reflexão sobre os principais impactos das medidas propostas (ou a falta delas) ao nível do setor da saúde.
Os pressupostos macroeconómicos considerados no OE22 estão a ser vistos por alguns analistas como sendo otimistas, designadamente ao nível do crescimento económico e da inflação, colocando pressão sobre os objetivos da receita fiscal e consequentemente sobre a efetivação da despesa orçamentada, onde a componente para a saúde tem um elevado peso.
Numa lógica de despesa pública, conforme comunicado pelo Governo, antecipa-se um reforço das verbas dirigidas ao Sistema Nacional de Saúde (SNS), no valor de cerca de 700 milhões de euros, sendo de salientar o contributo do Plano de Recuperação e Resiliência para o investimento orçamentado para a saúde. Este reforço orçamental destina-se, de acordo com o relatório da Proposta de Lei do OE, a reforçar o investimento nos cuidados primários de saúde (com o robustecimento das equipas de saúde familiar), cuidados hospitalares (e.g., pelo alargamento do número de camas e das equipas comunitárias de suporte), recursos humanos (substituição do recurso a empresas de trabalho temporário pela contratação gradual de profissionais para as unidades de saúde e criar as condições para concursos de promoção das carreiras especiais), criação de 10 novos centros de responsabilidade de saúde mental, que estarão integrados nos hospitais do SNS), reforço do investimento em infraestruturas e equipamentos e compra de medicamentos e dispositivos médicos. Resta saber se o aumento de despesa previsto no OE22 será suficiente para dar resposta à recuperação do atraso da prestação de atos médicos, à contratação de novos profissionais de saúde e retenção/motivação dos atuais, à necessidade de investimentos em melhores equipamentos e infraestruturas, etc.

Num olhar sobre as empresas privadas, a Proposta de Lei do OE não traz novidades significativas para os agentes que atuam neste setor, destacando-se designadamente a manutenção das contribuições especiais sobre o setor farmacêutico (previsão de manutenção do mesmo montante face ao estimado para 2021, de 13,9 milhões de euros) e sobre os fornecedores da indústria de dispositivos médicos (previsão de um aumento desta contribuição em 7,9%, face ao estimado para 2021, para 16,3 milhões de euros). Embora não tenham sido criados quaisquer benefícios fiscais aplicáveis especificamente às entidades que atuam neste setor, importa sublinhar que a Proposta de Lei do OE para 2022 prevê a criação do Incentivo Fiscal à Recuperação (“IFR”), em moldes semelhantes ao Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (“CFEI II”), apresentando, contudo, algumas particularidades.

Sendo certo que as ciências da saúde são um dos setores mais dinâmicos da nossa economia, e sem prejuízo das verbas que lhe estão destinadas no contexto do Plano de Recuperação e Resiliência, parece-nos que, uma vez mais, o OE para 2022 fica aquém das necessidades mais prementes deste setor em geral e do SNS em particular, e que se traduzem, por um lado, em garantir a sustentabilidade do SNS, e por outro, em assegurar o desenvolvimento do setor em toda a sua dimensão e potencial, capaz de gerar inovação, riqueza, emprego e, acima de tudo, dar resposta às necessidades de cuidados médicos da população.