A criação de um imposto sobre o rendimento de 15% para todos os contribuintes (“flat tax”) regressou à ordem do dia com as propostas que foram apresentadas nesse sentido pela Iniciativa Liberal (IL) e pelo Chega. É difícil não sentir alguma simpatia pela ideia de impostos mais baixos para uma classe média que tem sido esmagada pela carga fiscal. No entanto, a realidade é mais complexa do que isso.

Em primeiro lugar, a criação de um flat tax de 15% corresponderia a uma redução de impostos para os contribuintes que atualmente estão inseridos nos escalões mais altos do IRS, o sexto e o sétimo, que têm taxas efetivas de cerca de 31% e 43%. Como explicou há dias o antigo secretário de Estado Rocha Andrade, num artigo no “Negócios”, o flat tax de 15% reduziria a taxa efetiva de imposto para metade no caso do sexto escalão e para um terço no sétimo.

Desta forma, o flat tax proposto pela IL não penalizaria os contribuintes inseridos nos escalões mais baixos (incluindo aqueles que hoje não pagam IRS), mas beneficiaria quem tem maiores rendimentos. Estes contribuintes, que representam 4% dos agregados familiares, pagariam menos 1,75 mil milhões de euros em IRS. Por outras palavras, caber-lhes-iam 87,5% dos cerca de dois milhões de euros que, segundo a IL, o Estado deixaria de cobrar em impostos e devolveria à sociedade. Os restantes 250 milhões de euros (12,5% do total) seriam repartidos por 96% dos portugueses.

Naturalmente, a primeira consequência de uma redução de impostos é a descida das receitas fiscais. Há quem argumente que a redução dos impostos acaba por ter um impacto positivo no crescimento económico e, por consequência, na carga fiscal futura. Porém, no longo prazo, ninguém consegue prever os efeitos da redução de impostos, porque tal dependerá das escolhas individuais de cada cidadão, sobre a forma como utiliza o rendimento extra de que passa a dispor. Dependerá também da forma como o Estado consegue, ou não, adaptar-se à nova realidade fiscal.

No caso português, um corte de dois mil milhões na receita fiscal tornaria ainda mais difícil ao Estado manter serviços públicos de qualidade, nomeadamente em áreas como a saúde e a educação, tendo consequências profundamente negativas na qualidade de vida de milhões de cidadãos e agravando as desigualdades.

Será precisamente neste ponto que residem os motivos mais válidos para que olhemos com ceticismo para estas propostas. A política fiscal serve de instrumento para a correção das desigualdades, daí termos impostos progressivos. Quem defende que o Estado não tem de se preocupar com isso, que deve ser cada por si e que o mundo pertence aos mais fortes e ágeis, está a ignorar as lições do passado e do presente.

Sociedades desiguais podem ser (ou não) mais dinâmicas, mas são menos estáveis, têm mais crime e problemas sociais. Sociedades onde existem menos desigualdades  são mais estáveis, coesas e, quiçá, mais livres. Se o capitalismo liberal quiser sobreviver, não poderá ignorar o problema das desigualdades sociais, sob pena de fornecer ainda mais argumentos aos que o querem destruir. Esta será mais uma das várias lições do século XX que hoje, infelizmente, estão a cair no esquecimento.