A redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos, é um dos temas mais sensíveis atualmente no Brasil.
Quando me sentei, pela primeira vez, com um grupo de amigos a discutir o tema, não me tinha dado conta de que a maioridade penal em Portugal é de 16 anos – o cerne da questão. Quando realizei, esse pormenor acabou por fazer toda a diferença no desenrolar da conversa, que quase virou num interrogatório sobre a eficácia dessa lei em Portugal. Confesso que dei por mim a patinar em piso molhado, sem saber muito bem o que responder. Afinal, tirando uma cadeira de Sociologia na Universidade, pouco ou nada me havia debruçado sobre a temática. Pode soar estranho para uma jornalista, mas é a mais pura das verdades. Para mim, o tema estava arrumado num baú, ao lado da idade legal para consumo de álcool.

Enfim, essa falta de “autoquestionamento” sobre a questão da maioridade penal fez-me refletir. Porque será que nunca debati o tema, entre amigos, em Portugal? No Brasil, ainda a mudança da lei é apenas uma mera cogitação, e toda a gente conversa e debate o assunto. Isto deu o que pensar. Tanto deu o que pensar que aqui estou eu, sentada, a escrever linhas sequenciais sobre o assunto.

Não sei se cheguei a uma conclusão brilhante, mas cheguei a uma conclusão básica, pelo menos. Em Portugal não debatemos (tanto, pelo menos), a questão da maioridade penal porque, felizmente, somos um país onde a criminalidade infantil/juvenil é baixa. Ainda.

Não padecemos do fenómeno dos “moleques de rua”, crianças e pré-adolescentes sem-teto, que roubam – e alguns matam – para sobreviver. Não temos favelas, do tamanho de grandes metrópoles, no meio de cidades que mais parecem países. Não há pobreza extrema como esta que nos grita no Brasil. Por mais que haja crise e pobreza, que há, não podemos comparar com a que se observa por aqui. Não quero ser mal interpretada, mas penso que em Portugal existe o sentimento coletivo de que se um adolescente de 16 anos comete um crime, enquadrável no Código Penal, é alguém corrompido quase irremediavelmente. No Brasil, um garoto de 16 anos pode roubar ou até matar porque, em pouco mais de uma dúzia de anos de vida, viu mais do que Manoel de Oliveira viu em toda a sua existência. Concluo, então, que tudo se resume a “termo de comparação”.

Cito inúmeras vezes uma história que o meu irmão me contava e que me ajuda sempre a ilustrar a questão das “diferenças culturais”. O meu irmão, mais velho que eu cinco anos, contou-me após regressar de Erasmus na Dinamarca que os dinamarqueses passaram a utilizar cadeados nas bicicletas quando os estudantes espanhóis, italianos e portugueses, chegaram à cidade para intercâmbio. Os latinos, vendo bicicletas sem segurança, começaram a roubá-las e mudaram a dinâmica daquele pacato povo. Suécia, Dinamarca e Finlândia têm o chamado sistema de “jovens adultos”, que abarca a faixa dos 15 aos 18 anos — quando começa a responsabilização penal plena. Mas um assassino de 15 anos ficará preso e o tempo da prisão dependerá da gravidade do crime. Mas aqui entra o termo de comparação: o Brasil não é a Dinamarca.

Considero que o Brasil tem que repensar primeiro o sistema de educação e acolher, verdadeiramente, os jovens que nascem em condições precárias e avessas à ordem (alguns nascem dentro de bocas de tráfico!) e dar-lhes a mão. Puni-los, só por si, não ajudará em nada. Em última análise, apenas teremos mais gente na cadeia, do que fora dela.

Juliana Pereira Martins
Jornalista
Correspondente no Brasil