Quando, em 1910, a República foi implantada em Portugal, apenas o caso óbvio da França e o modelo particular da Suíça destoavam, num mar de regimes monárquicos que submergiam a geografia política do continente.
Com o passar das décadas, os conflitos, as secessões e a emergência de radicalismos de sinal diverso marcaram o destino de muitas dessas Monarquias.
Parte delas viria a falhar no teste da sua compatibilidade com a onda de prevalência da soberania popular que foi varrendo o continente.
As Monarquias que se mantiveram enquanto tal, na sua maioria tituladas por descendentes de figuras que se tinham prestigiado como símbolos de unidade em tempos nacionais de extrema dificuldade, como foi o caso da Segunda Guerra Mundial, aceitaram o compromisso de anular a sua capacidade de influenciar a gestão política dos respetivos países.
Aos reis é hoje pedido que sorriam e representem com dignidade o Estado de que são um símbolo. Quando a conjuntura os obriga a intervir pontualmente na coisa política, exige-se-lhes um imenso bom senso.
Ora, o bom senso não nasce necessariamente com as pessoas – e os reis são pessoas. Viu-se isso, há pouco tempo, em Espanha, onde o antigo monarca desbaratou, por insensatez de comportamento, o capital de prestígio que tinha acumulado numa transição política tida por exemplar.
Com uma parte significativa das opiniões públicas – mais nuns países do que noutros – a colocar progressivamente em causa o princípio dinástico da chefia do Estado, os monarcas e as suas famílias vivem sob uma atenta observação. Alguns parece estarem mesmo sob uma implícita aferição pública da sua “utilidade”, numa relação custo-benefício, a qual, porque decorrente da progressiva dessacralização das suas funções, se torna, dia a dia, mais exigente.
Passado que foi, já há muito, o tempo da sua intocabilidade pela comunicação social, os soberanos e suas famílias têm de aguentar esse forte escrutínio, porque parte das sociedades democráticas não olha com bons olhos os privilégios e as mordomias, obrigando-os assim, cada vez mais, a seguirem uma vida que se assemelhe à do comum dos cidadãos.
Os gastos com as famílias reais ou similares são hoje objeto de um forte debate, sendo a sua expressão social seguida com um interesse que vai da medíocre coscuvilhice tabloide à compreensível exigência ética.
As cortes, no seu esforço de sobrevivência institucional, têm assim de ter inteligência para se adaptar às mudanças da sociedade, às tendências da contemporaneidade. Com um grau de aceleração sem precedentes, isso envolve hoje linguagens, padrões comportamentais e a observância de uma multiplicidade de outros sinais.
O que se terá passado recentemente na corte britânica, com acusações de cedência a estereótipos racistas e discriminatórios, toca uma preocupação que atravessa o mundo, a que as novas gerações são particularmente sensíveis.
Da mais “profissional” das Monarquias europeias não era expectável um erro tão grosseiro. Mas, como diz o povo, no melhor pano cai a nódoa.