“Para que o mal triunfe basta que os bons fiquem de braços cruzados” – Edmund Burke

(Sinto-me completamente à vontade para escrever sobre este tema: não tenho simpatia por Ferro Rodrigues e, embora procurando cumprir a esmagadora maioria das medidas que nos foram impostas, não concordo nem percebo algumas delas. Tive, até, oportunidade de dizer tal de viva voz num programa televisivo para o qual me convidaram e onde expressei total discordância com a proposta de segregarem os ditos negacionistas. Daí a negar a situação pandémica ou a necessidade de cuidados na prevenção vai um passo que, obviamente, não dou. E menos ainda poderei subscrever comportamentos que ofendem princípios basilares do nosso sistema. Já nem se trata, sequer, do Direito. Trata-se da vida em sociedade.)

Num aparente regresso à quase normalidade, entre sessões de julgamentos diárias, deparo-me com as notícias sobre uma alegada manifestação dos designados negacionistas, em que os mesmos se permitiram ofender e ameaçar Ferro Rodrigues, a respectiva mulher e ainda o desgraçado do proprietário do restaurante onde ambos se encontravam a almoçar.

A coberto do que apelidam direito à indignação e sob a invocação da liberdade de expressão, o que se viu (e, principalmente, ouviu) foram ameaças à integridade física e moral de todos os ali visados.

Se percebo o direito daquelas pessoas a manifestarem-se e, de certa forma, a demonstrarem o desespero de quem se vê a braços com a falência do estado social, não consigo conceder que a resposta que entendam dar sejam a coacção e os insultos. Para mim, enquanto cidadã, é quase irrelevante tratar-se de uma figura do Estado, apesar de não desconhecer que o Direito trata essa conduta de mais gravosa. O que releva é terem-se insultado e ameaçado três pessoas.

A liberdade de expressão serve para nos permitir dizer o que pensamos mas não abrange o condicionamento dos demais. Se os ditos negacionistas pretendem ser respeitados, têm que começar por dar idêntico tratamento aos outros em vez de seguirem os passos de um aparente guru espiritual, que ora vestindo a toga, ora a beca, se permite considerar acima de outros cidadãos.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.