Neste momento, os chamados “war rooms” dos grupos multinacionais já se encontram na fase de implementação dos seus planos de contingência associados à disrupção causada pela Covid-19. O cenário base de trabalho é uma forte redução da atividade que afetará o desempenho financeiro dos grupos como um todo, e as subsidiárias e sucursais espalhadas pelo mundo. Esse cenário de forte redução da atividade chega a contemplar o encerramento parcial ou definitivo de certas atividades de fabrico e distribuição.

E assim, para além dos problemas que esta pandemia vai trazer do ponto de vista social e económico, antecipa-se uma forte redução da receita fiscal do Estado português no curto e médio prazo. Estão em cima da mesa um conjunto de ações que terão um alcance diferente em função das especificidades dos grupos multinacionais. São três os temas recorrentes: i) repatriação urgente de fundos; ii) redução imediata da rentabilidade fiscal das operações nas diferentes jurisdições, incluindo dedução fiscal dos custos diretos de reestruturação; iii) repartição do prejuízo e dos custos de reestruturação globais por essas mesmas jurisdições.

No que respeita à repatriação de fundos, no topo da agenda figura o débito antecipado de management fees e royalties previstos para a totalidade do exercício de 2020. A medida implica a verificação de certos procedimentos de especialização de gastos, entre outros temas de índole mais contabilística do que propriamente fiscal, desde que tudo se circunscreva ao mesmo exercício económico.

No tocante à redução da rentabilidade fiscal das operações, está em causa a situação dos distribuidores e fabricantes de risco limitado que, contratualmente, devem auferir uma rentabilidade pré-determinada em função dos riscos, funções e ativos empregues na sua atividade. Considerando o declínio acentuado na procura (vendas), o propósito será reduzir a margem-alvo para 0%, com efeitos imediatos, para todo o ano fiscal 2020. Obviamente que esta situação terá que ser avaliada em função de variáveis como, por exemplo, a existência de um acordo prévio de preços negociado com a AT com base em indicadores de rentabilidade pré-definidos para um determinado período de tempo.

Os custos de reorganização por regra serão fiscalmente dedutíveis se tiverem por base gastos e perdas não seguráveis que dizem diretamente respeito à estrutura existente em Portugal, como sejam as indemnizações a pagar por cancelamento de encomendas a fornecedores, o mesmo relativamente a encomendas de clientes não satisfeitas, a alienação de ativos não essenciais, entre outros. Todas estas realidades serão menos propensas a gerar contencioso fiscal se ocorrerem entre partes não relacionadas.

Ainda no que respeita a este segundo grupo de situações, importa considerar as alterações aos contratos existentes, a informação que deverá constar na documentação de preços de transferência relativa ao exercício de 2020 e a necessidade de reporte no anexo H da IES.

Uma situação mais complicada diz respeito aos casos em que se antecipam perdas em todo um grupo multinacional no ano fiscal de 2020 e se pretende ratear essas perdas pelas subsidiárias ou sucursais do grupo nas diversas jurisdições. Isso seria viável em Portugal? Que suporte documental ou de outra natureza seria necessário? Trata-se de uma situação não testada. Diríamos, em abstrato, que se a divisão de perdas for feita por meio de faturas, é muito provável que o custo não seja dedutível para efeitos fiscais em Portugal, nomeadamente quando não se consiga estabelecer uma relação direta entre esses débitos e a atividade levada a cabo neste país. Tal pode espoletar correções fora do âmbito da legislação de preços de transferência e, em última instância, criar dificuldades para um procedimento de ajustamento correlativo transfronteiriço (“mutual adjustment agreement)”. A mesma conclusão será de retirar no que respeita aos custos de reorganização suportados centralmente. A sua dedutibilidade para efeitos fiscais, em Portugal, ficará certamente dependente de se conseguir justificar que se trata de gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, um exercício que implica um elevado grau de discricionariedade e, logo, um correlativo potencial de geração de contencioso fiscal.