Tornou-se recorrente a ideia de que Portugal está na moda. Seja pelo turismo, pelas vitórias desportivas e festivaleiras, pelo sol e o mar, pela boa comida, pelo vinho, ou pela relativa paz social… a lista parece não ter fim. É claro que a maior parte destes motivos tendem a ser amplificados e mistificados. Mas não há dúvida de que o nosso país se tornou muito mais conhecido agora do que era há poucos anos. Para o bem e para o mal, Portugal vai surgindo num dado setor económico ou em certa atividade cultural ou desportiva como uma referência internacional. Curiosamente, o mesmo parece ir acontecendo no campo da política, designadamente no seio da esquerda e da social-democracia. Não foi só a eleição de António Guterres como secretário-geral da ONU que chamou a atenção da política internacional, uma outra coisa, relativamente singular, foi construída em Portugal e merece cada vez mais curiosidade do mundo da política. Refiro-me à atual configuração governativa que foi popularmente batizada de ‘geringonça’.

Na verdade, são cada vez mais as solicitações para se apresentar ou se escrever sobre o caso português. Num contexto em que, por um lado, muitos dos partidos sociais-democratas se encontram por essa Europa fora numa profunda crise existencial e, por outro lado, se verifica uma progressiva fragmentação política, a solução governativa portuguesa tem merecido um crescente interesse por parte de congéneres internacionais, assim como, de académicos e de múltiplas organizações da sociedade civil. A título de exemplo, decorreu na passada semana, um encontro em Sarajevo, organizado pela fundação Friedrich Ebert, sobre a crise do espaço político que antes fora ocupado pela social-democracia e as possíveis vias para reverter a sua profunda divisão. Tendo como pano de fundo o atual contexto de fragmentação política à esquerda existente no sistema político da Bósnia-Herzegovina, que se prepara para eleições a ocorrer em 2018, o debate orientou-se para a análise de exemplos internacionais de entre os quais a atual solução portuguesa teve algum destaque.

No decorrer deste e de outros debates e das posteriores conversas, fui tomando maior consciência sobre a importância internacional atribuída ao processo político que está acontecer em Portugal, incluindo as negociações do período pós-eleitoral que levaram aos acordos políticos entre os quatro partidos. Arriscaria, por isso, a afirmar que atualmente a esquerda portuguesa detém uma dupla responsabilidade. A responsabilidade de cumprir um programa progressista capaz de ligar a política às necessidades e aspirações do povo no sentido de incrementar os níveis de coesão e de bem-estar social e económico, a que se junta a responsabilidade de constituir uma referência histórica que influencie decisivamente o curso do processo político noutros países. Dois grandes desafios perante os quais os atuais protagonistas políticos deverão estar à altura do exigente momento.

No que diz respeito ao primeiro, elejo telegraficamente duas prioridades determinantes: a renovação da agenda programática e o reforço de uma relação de confiança entre os líderes políticos e o povo. A ação governativa tem vindo a cumprir dentro das suas possibilidades uma agenda de restituição do rendimento e de recuperação económica do país. Esta tem dado bons frutos que se espelham nos diversos indicadores de performance económica. Mas a partir do terceiro ano de mandato o governo e os diferentes parceiros que o apoiam deverão ter a capacidade de dar o passo para uma agenda mais progressista que abarque, entre outras, um conjunto de políticas públicas e sociais de nova geração. Entre estas são particularmente importantes as políticas que visem a redução estrutural das desigualdades sociais e da precariedade laboral (incluindo no setor privado), assim como, a revitalização profunda dos serviços públicos (mais adequados às necessidades sociais e económicas das populações e dos territórios diferenciados). A este respeito revela-se urgente, entre outras medidas, a conceção e instalação de serviços de proximidade com agilidade suficiente para fazer face a uma diversidade de problemas vividos no seio das comunidades, designadamente nas mais periféricas e vulneráveis.

O incremento da relação de confiança entre as instituições públicas, os seus líderes e a população em geral significa uma prioridade indispensável para o aprofundamento da ligação entre a política e o povo. Os governantes não podem descurar essa contínua exigência de estarem conectados com os problemas e as necessidades das pessoas. O distanciamento e insensibilidade não só representam um obstáculo ao bom curso da ação política e governativa, como podem comprometer esse indispensável pressuposto de confiança. A título de exemplo, as declarações de alguns ministros sobre o seu eventual estatuto precário no seio do governo, fazendo uma analogia infeliz relativa à situação dos trabalhadores precários do Estado, são sinais preocupantes reveladores de uma certa distância (incompreensível) em relação à vida que as pessoas levam. Estar à altura do momento histórico significa os governantes não descurarem, entre outros aspetos, os anseios das pessoas e as vulnerabilidades do ‘mundo da vida’, segundo a conceção atribuída por Jünger Habermas.

Por fim, o desafio internacional decorre, em grande parte, do que for feito internamente. Contudo, este passa pela exigente capacidade em se conseguir preservar a presente configuração política, percebendo inclusivamente que esta é alvo de observação e de acompanhamento por parte de inúmeros atores e instituições situadas em diferentes países e regiões da Europa e do Mundo. A ‘gerigonça’ produziu uma enorme expetativa política e histórica no campo alargado, fragmentado e atualmente em crise das forças de esquerda. A questão que se põe é a de saber se estaremos à altura destes e de outros desafios, fazendo com que esta solução seja bem-sucedida nas diversas esferas da intervenção política. Estar à altura do momento não é pois tarefa fácil e requer uma enorme responsabilidade e uma apurada sensibilidade social no exercício do dever público.