Não é de hoje que o agravamento dos custos das matérias-primas, materiais e mão-de-obra tem um impacto significativo nos contratos cuja execução se estende no tempo, como é o caso dos contratos de empreitada de obra pública.

A resposta a este agravamento passou pela instituição da revisão ordinária de preços, que nos contratos de empreitada de obra pública é obrigatória já desde 1967. Conseguiu-se, com isso, em benefício da contratação pública e realizando o interesse público, fazer face aos riscos previsíveis do aumento de custos.

No entanto, somos hoje confrontados com inúmeras circunstâncias – desde a pandemia Covid-19 até à guerra na Ucrânia – que concorreram para um aumento abrupto dos preços nas matérias-primas e nos materiais e a que se somou, por um lado, a escassez de mão-de-obra e, por outro, o aumento dos custos que lhe estão associados.

Neste quadro, os empreiteiros de obras públicas têm vindo a ser confrontados com o facto de os índices utilizados nas fórmulas de revisão ordinária de preços estarem cada vez mais longe dos actuais preços de mercado.

Em resposta a esse problema, e tal como tem vindo a ser feito noutros países (em regra, através de soft law e não hard law), o Governo publicou o Decreto-Lei n.º 36/2022, de 20 de Maio, que estabelece um regime excepcional e temporário de revisão de preços aplicável aos contratos de empreitada de obra pública e, com as necessárias adaptações, aos contratos de aquisição de bens e de serviços e aos demais contratos sujeitos às regras de contratação pública (por exemplo, empreitadas privadas financiadas ou subsidiadas em mais de 50%).

Sendo um problema de ordem global, esta resposta do Governo português está em linha com o que tem vindo a ser feito noutros países a este mesmo propósito.

No essencial, este diploma define que o agravamento dos custos de um determinado material, mão-de-obra ou equipamento que represente, pelo menos, 3% do preço contratual e tenha uma taxa de variação homóloga do custo igual ou superior a 20% confere ao contraente privado a faculdade de requerer a revisão extraordinária de preços e estabelece o procedimento através do qual a entidade pública, por acordo das partes ou unilateralmente, define a forma de revisão extraordinária de preços.

Além disso, nos casos de atrasos não imputáveis ao contraente privado, admite-se a prorrogação do prazo de execução do contrato sem penalização e sem que haja lugar a pagamentos adicionais por parte da entidade pública.

Apesar da intenção inicial do Governo ter sido a definição de um regime facultativo e que, por isso, teria um conteúdo programático, na linha das recomendações ou comunicações interpretativas, depressa se percebeu que a natureza facultativa seria meramente aparente.

Na verdade, estando verificados os requisitos de que depende a apresentação de um pedido de revisão extraordinária de preços pelo contraente privado, a entidade pública não pode simplesmente recusar o pedido apresentado, restando-lhe a hipótese de, não havendo acordo, apresentar uma contraproposta ou decidir por uma das fórmulas de revisão supletivas enunciadas no diploma.

Será facultativo sim, mas apenas nos casos de revisão extraordinária admitida pelas entidades públicas em que não se verifiquem os pressupostos de que depende a aplicação deste regime excepcional (por exemplo quando a variação homóloga do custo seja 18% e não 20%).

Este diploma prevê também a sua aplicação aos contratos de aquisição de bens e serviços e a outros contratos públicos (contratos em relação aos quais a revisão ordinária de preços não é obrigatória). Pode, portanto, perguntar-se se, nos casos em que tais contratos expressamente prevejam não haver lugar à revisão de preços se, ainda assim, poderá haver revisão extraordinária de preços nos termos do diploma agora publicado? Fica a dúvida.

Por outro lado, apesar de se entender a tentação de balizar temporalmente a admissibilidade da revisão extraordinária de preços (até 31 de Dezembro de 2022), parece-nos ser um artifício que não tem correspondência com a realidade já que, do nosso prisma, a revisão extraordinária está dependente das circunstâncias extraordinárias que motivam o agravamento de custos e, por isso, deve manter-se enquanto se mantiverem as circunstâncias que o justificam.

Não sendo uma solução isenta de dúvidas e críticas e sem prejuízo de que se poderia ter feito mais (por exemplo, prevendo a possibilidade de devolução de penalidades aplicadas ou de resolução não sancionatória do contrato), não pode deixar de merecer o nosso aplauso a tentativa de apaziguamento de um sector que está crescentemente pressionado permitindo que, com maiores e menores dúvidas, sejam dadas respostas às situações verdadeiramente extraordinárias com que as entidades públicas e operadores privados se vêem confrontados.

Os autores escrevem de acordo com a antiga ortografia.