«Seja tudo mais fácil com um sorriso do que com a ponta de uma espada» (W. Shakespeare).

Roda e Vida: dois conceitos aparentemente distantes e desuniformes entre si. Desengane-se. O círculo sugere perfeição, na qual a roda toma parte, porém com alguma “valência de imperfeição” – no que toca ao devir, ao ocasional e ao perecível. No entanto, e ‘falando’ da vida, a roda representa renovação, reinício, reciclagem.

Entendo que cada um/a de nós é uma roda local (a minha/tua vida no seu todo), dentro da Roda global – uma “roda-gigante” chamada de ‘mundo’: todos nós que o habitamos, seres vivos e não vivos. Ora aí está: E.B.White dizia que não via “nada no espaço tão promissor como a vista de uma roda gigante”. O mundo é a roda maior, engranzado de muitas rodas, e cheio de sol mais de lua cheia (rodas ou esferas que, dia e noite, lhe dão vida). Portanto, tanto que há de similar – e para assimilar – entre a imagem da roda e a albergagem da vida. Pairam, por isso, sobre mim algumas reflexões soltas, para uma rodagem concreta sobre a vida e que daí advêm:

Assim como o termo ‘roda’ tem dezenas de significados, ora na linguagem comum ora no léxico de algumas ciências/experiências, também a vida tem uma panóplia de sentidos, de matizes, de caminhos. E, para nos orientarmos, traçamos a vida numa espécie de “roda dos alimentos” generalizada: importa separarmos por fases/em fatias aquilo que é mais essencial na nossa existência presente e futura, em torno da qualidade e da quantidade, para que esses momentos vitais saciem e frutifiquem o nosso ser, estar, fazer e sonhar: o de todos e de cada um/a.

Ao abordar a roda, lembro-me inevitavelmente da expressão “roda-viva”, ou seja, a nossa vida a andar à roda, de tão ocupada que a nossa mente e coração estão com revezadas preocupações ao mesmo tempo, sem dar tempo à acalmia! E quem é ela no corrente da nossa vida? É um ideal, ajudando-nos a ser tranquilamente felizes e com uma felicidade tranquila, que se faz deserto árido nesta correria constante, apressada e desbaratada, do dia-a-dia, seja no trabalho, seja nas relações (por vezes, sem afeições).

Deste modo, não há roda que nos valha, por muita resistência que tenha, e – tal qual ciclo vicioso num círculo oleoso – acaba por nos colocar de “cabeça à roda”. E que tipo de roda é esta? É a de tonturas e tontearias ou, precisamente, de “andar à nora” (também ela uma roda, ao seu jeito); é a de ser incapaz no desenvencilhar e encontrar saída perante rodos de dificuldades ou, simplesmente, de “andar às aranhas” (elas que se movem em teias, quase em forma de rodas); é a de fazer nada acertadamente. Não seremos certamente felizes assim tão desnorteados.

Alguém escreveu: “eu acho que ser feliz é o que nos move, independentemente de qual for o nosso caminho e os problemas que nele surjam”. Ao primeiro impacto até concordei; todavia, ao reler, pensei melhor nisso e surgiu-me a questão: então pode alguém ser feliz se escolhe apenas o caminho do mal – das violências e violações –, sujeitando sistematicamente o outro a isso? Ora o que o move é essa vontade de gerar dor, de magoar, e satisfaz-se em repetir esse medo e prisão nos outros. Pode também chamar-se a isto de ‘felicidade’? Não me parece, não.

Há rodas e rodas, mas – já percebemos – a roda também fura. Quantas vezes, na nossa vida, os planos – ou antes deles acontecerem (como uma ideia) – saem furados e depauperados. E se a roda fura? Pensemos num pneu… Das duas, uma: ou paramos de imediato para resolver o problema, ou continuamos a andar com o furo, adiando e agravando o problema (potencial acidente). E, se assim for, pomos a vida em risco: não só a nossa, mas também a dos outros que nos rodeiam e que circulam.

Por teimosia dum erro disparatado, mesmo que não forçado. Quantas vezes ampliamos, amplificamos e complicamos um problema quando não o solucionamos no momento, podendo ser depois já tarde para o eliminar! Ajamos, antes que ele nos elimine a nós e à vida, que é de todos.

Uma roda fundamental na vida é, sem dúvida, a do tempo (e sobre o qual já escrevi algumas vezes). E vejo-a para lá dum objeto que maioritariamente utilizamos, o relógio, seja ele redondo – sobretudo assim concebido – ou de outras formas. Mas, independentemente disso, o tempo está lá: igual para todos, inalterável, em qualquer lugar do mundo. O tempo rege tudo, dá legitimidade à existência de algo ou alguém.

Segundo Luc Besson, “o tempo é a única unidade de medida verdadeira”. É unidade em si e sem o tempo não existimos. E quantas vezes nos desfazemos dele, o desarrolhamos tal qual cápsula perdida, potenciando a matéria em detrimento do coeficiente humano. Isto gera-nos, paulatinamente, instabilidade e desordem… Elas movem-se pela ignorância, porque são tantos os que estão neste mundo esfomeados pelo poder e pelo lucro, como gangrena viciante.

Realidade, portanto, que nos degenera enquanto genes, enquanto gentes e agentes de Liberdade, de Sustentabilidade, de Sociedade. E é essa ignorância, infértil e oposta ao magnânimo conhecimento, que tem colocado intolerantemente e crescentemente filiados seus na chefia das Nações. Longe de serem líderes. É preciso ter cuidado com eles! Já são alguns – em alguns continentes – e vão arrastando outros, aqui e acolá, nos seus destruidores populismos, fundamentalismos e extremismos.

A propósito, corroboro uma reflexão que li online sobre como este tempo é o tempo de há dois mil e tal anos, numa realidade que não mudou – Pilatos perguntou ao povo presente: “Quem quereis que vos solte? Cristo ou Barrabás?”. E, como se sabe, a opção recaiu no ladrão e não naquele que os salvou. O tempo passou – e com ele, milénios – e o povo não aprendeu: esse povo, herança do ‘ontem’ e que se traduz em cada ‘hoje’ (mesmo com matança atrás de matança), continua a escolher salteadores e que mentem, para não sofrerem represálias com a verdade.

Ora sobrevém nas urnas eleitorais, ora noutras votações e ‘lotarias’ (rodas de sorte e/ou resultados falsificados?), dando-lhes vitórias, que são a derrota de todos nós na nossa dignidade de pessoas, crentes e cidadãos. Isto parece um contra-senso, contudo “ver o paradoxo permite-nos ver coisas que julgávamos impossíveis”, como vai sucedendo, já que “a perceção da realidade é mais real do que a perceção em si”.

E quando avariar a máquina do tempo? A falácia do tempo desaproveitado, inquinado e desregulado não só nos maquinará, como também nos degradará e desagradará.

Eis que – como tantas vezes – o melhor fica para o fim, adquirindo um sabor especial e tonificante, fazendo dissipar toda e qualquer amargura, nesta ou naquela palavra do texto/opiniões, neste ou naquele pensamento feito sentimento. Nada mais importante do que a ‘roda do amor’, feita de vivências feitas essências – de familiares e, ainda, de amizades/amigos ao longo da vida. Uma vida a “correr sobre rodas”, porque o interesse pessoal – também coletivo, em busca dum objetivo – está na base do sucesso e deste lema: “pensa em grande e serás grande, confia em ti e vencerás”! E que essa roda se conquiste, se multiplique deveras e nunca se perca.

E se brinde, assim – sempre à vida rodeada do bem, bom e belo –, com uma infinita rodada entre os que amamos e desejamos. Que este brindar seja o da paz no mar da nossa vida e no jardim dos nossos corações. E, depois da festa – em cada festa –, faça-se silêncio para melhor apreciar essa vida em nós e para que o “milagre das coisas” (como expressou Sophia) – e dos entes de vidas amadas e rodadas – aconteça e permaneça ad aeternum.

Tchim, tchim! “Todas as histórias têm um fim. Mas, na vida, cada fim é um recomeço” (Mo Ogrodnik, em “Uptown Girl”). Ou não fossem a roda e a vida eixos de um mesmo fim…!