Quem não se lembra da entrevista radiofónica de Sousa Cintra, antigo presidente do Sporting, em que, a meio de uma frase – e em pleno direto – se ouve um estrondo. Cintra acabara de tentar atirar pela janela uma garrafa. Azar: o vidro estava fechado. A partir de abril, gestos selvagens como este serão seriamente limitados: a compra de garrafas de plástico até três litros, e latas de bebidas, implicará o pagamento de um depósito e o consumidor só recuperará esse valor se devolver as embalagens vazias, não danificadas e com rótulo legível.
Devolver a quem? Simples: numa das 2500 máquinas que estarão instaladas em grandes superfícies comerciais e noutras lojas entre os 50 e 400 m2 em todo o território nacional. O reembolso do depósito será feito de forma digital, via MB Way, ou através dos cartões de fidelização das grandes superfícies, o que acelerará o processo e permitirá que a devolução seja feita em qualquer local da rede, independentemente da zona de compra ou devolução.
O novo sistema de depósito e reembolso aplica-se a todas as bebidas comercializadas em embalagens não reutilizáveis de plástico PET, alumínio ou aço, até aos três litros. Os garrafões e recipientes não compatíveis ficam de fora e o valor do depósito será uniforme entre tamanhos.
A distinção das embalagens que integram o sistema será feita através de um símbolo e código de barras exclusivos, garantindo que apenas recipientes nacionais são aceites. A recolha será complementada por 48 quiosques dedicados, distribuídos pelas áreas do país com menos comércio, garantindo, assim, a cobertura nacional e evitando desigualdades logísticas.
A recolha das embalagens devolvidas será centralizada em dois polos logísticos, a norte e a sul, onde os materiais passarão por tratamento específico para reciclagem, em vez de serem encaminhados para o aterro comum.
O circuito permite à indústria reaproveitar os mesmos materiais, promovendo a economia circular e oferecendo ao plástico e metais uma nova vida infinita, deste vez pelas boas razões: estas matérias-primas recicladas são reincorporadas em novas garrafas e latas de bebidas fabricadas e distribuídas em Portugal. A iniciativa procura garantir que, ao contrário do modelo vigente, apenas produtos inteiros e não compactados entram no processo, facilitando a triagem automatizada e a rastreabilidade dos resíduos.
O objetivo central é garantir que Portugal cumpre as exigências da UE, que estipula metas ambiciosas para a recolha e reciclagem dos resíduos de embalagens. De acordo com a legislação europeia, todas as garrafas de plástico de uso único devem incluir pelo menos 25% de material reciclado desde 2025. Esta percentagem deve crescer para 30% até 2030 e 65% até 2040.
Além disso, os países membros da União Europeia terão de atingir taxas de recolha seletiva superiores a 90% até 2029, objetivo que contrasta com os cerca de 40% de embalagens recolhidas atualmente por via dos ecopontos em Portugal.
Cortar custos operacionais
das autarquias
Esta iniciativa integra-se num esforço conjunto para acelerar a recuperação e otimização dos recursos, articulando-se com os sistemas de gestão de resíduos já existentes (SIGRE, SDR e Reutilização) e promovendo a complementaridade entre modelos.
O enfoque está na modernização tecnológica, triagem e real incentivo à participação dos consumidores, que passam a ter uma motivação direta para devolver as embalagens através do reembolso do depósito pago inicialmente. O depósito a pagar será suficientemente baixo para não desencentivar a compra dos produtos, mas terá um valor percecionado suficiente para o que as garrafas e latas sejam realmente devolvidas e não despejadas no lixo comum. “Nem que sejam os filhos a levar as garrafas e latas até à máquina. É dinheiro!”, diz Leonardo Mathias, presidente da SDR (sistema de depósito e reembolso) Portugal, entidade sem fins lucrativos que está a montar esta mega operação nacional.
O sistema visa aumentar a eficiência da triagem e vai potenciar a reutilização dos recursos recolhidos – um importante valor económico –, tal como pretende reduzir o lixo atirado para o chão nas cidades, praias e outros espaços públicos (um mau hábito que persiste). E promete ainda cortar os custos operacionais das autarquias (menos recolha de resíduos), ao mesmo tempo que reforça a capacidade dos recicladores nacionais e diminui a dependência de matéria-prima estrangeira.
Estima-se que a concretização desta medida crie cerca de 1.500 postos de trabalho diretos e indiretos, e seja responsável pela prevenção da emissão de cerca de 109 mil toneladas de dióxido de carbono, refletindo-se num ganho ambiental e económico significativo. Numa lógica de integração nacional, as embalagens que fazem parte do SDR podem ser devolvidas em qualquer ponto da rede, permitindo que um consumidor compre uma lata de cerveja em Sagres e a devolva em Chaves, por exemplo. Em abril, o depósito volta a estar na moda.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com