Na passada semana tivemos notícia que a senhora PGR havia autorizado a sexta prorrogação do prazo de inquérito no processo vulgarmente conhecido como Operação Marquês. Esta nova prorrogação, para mais nos termos relativamente abstractos em que foi feita, relançou o debate jurídico acerca das consequências processuais da ultrapassagem dos prazos de inquérito previstos na Lei: os prazos impostos ao Ministério Público devem ser entendidos – como têm sido – meramente ordenadores ou são prazos peremptórios cuja ultrapassagem gera uma nulidade processual?

Não vi, todavia, até agora, debatida uma outra questão que a derrapagem dos prazos de inquérito neste processo levanta: saber se, nestas circunstâncias, após a acusação, é justo e compatível com as garantias de defesa constitucionalmente previstas, a aplicação à defesa dos arguidos os prazos – esses sim, sem sombra de dúvida – peremptórios, constante do Código de Processo Penal.

Dito de forma porventura mais directa: tendo a acusação multiplicado por seis o prazo geral previsto para o inquérito, é materialmente justo exigir-se que a defesa cumpra, mesmo usando-se da prorrogação legalmente prevista, os prazos previstos no Código de Processo Penal para elaboração dos requerimentos de abertura de instrução e/ou elaboração de contestações?

E este raciocínio desemboca numa ainda mais interessante questão: em recente acórdão publicado em DR, o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de uniformização, veio reconhecer aos arguidos, a partir do encerramento do inquérito e com dedução de acusação, o direito de examinar todo o conteúdo dos suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações escutadas e de obter, à sua custa, cópia das partes que pretenda transcrever para juntar ao processo, mesmo das que já tiverem sido transcritas, desde que a transcrição destas se mostre justificada.

A avaliar pelos dados disponibilizados pela PGR, no domínio do dito processo Marquês, foram efectuadas já 260 buscas; inquiridas cerca de 170 testemunhas; transcritas mais de 2.600 escutas; o processo tem, pelo menos, 91 volumes e 452 apensos, contabilizando-se cerca de 13,5 milhões de ficheiros informáticos.

No fundo, aquilo que se impõe equacionar é saber até que ponto num processo com estas dimensões e volume de informação, os prazos impostos à defesa pela Lei do Processo Penal permitem, realmente, examinar a documentação do processo e, desta forma, assegurar as garantias de defesa em processo penal de que fala a nossa Lei fundamental.

No fundo, o que é possível questionar é se o nosso Código de Processo Penal se mostra adequado a esta nova realidade judiciária? E vindo a reconhecer-se não se mostrar, saber que consequências acarretará a sua desadequação num processo tramitado e sujeito à sua disciplina.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.