Enquanto cidadão, contribuinte, pai e trabalhador, sigo sempre com a atenção possível as campanhas eleitorais e os debates que tradicionalmente ocorrem nestas alturas. Infelizmente, é muito pouco provável que seja abordada o que designaria de privatização, encapotada e silenciosa, de algumas funções de soberania e de prestação de serviços de bens públicos.
Sem grande visibilidade no debate público e político em Portugal, um punhado de grandes empresas multinacionais ganhou um peso à escala mundial que rivaliza, e por vezes supera, o de grande parte dos Estados modernos. Uma relevância para a qual os nossos decisores políticos parecem, na sua grande maioria, indiferentes.
Estas grandes empresas – Google, Amazon, Facebook, Apple, Twitter, Alibaba, Tencent, ByteDance, entre outras – são atores geopolíticos de primeira grandeza, concorrendo e condicionando os Estados.
Hoje em dia, sem este punhado de empresas, os Estados são incapazes de prestar serviços e bens públicos essenciais que necessitam das suas infraestruturas de comunicação e de expressão, segurança, arquivamento e acesso a dados.
Na prática, os Estados deixaram que fossem privatizados silenciosamente determinados serviços, sem que tivessem recebido qualquer compensação financeira. Uma privatização sem escrutínio público e debate prévio, sem concurso público, sem escolha por parte dos cidadãos.
Os Estados, as empresas e os cidadãos vivem atualmente num contexto de elevada dependência destas empresas e delas necessitam para, por exemplo, calcular o rasto e a transmissibilidade de uma pandemia, para arquivar e proteger os dados dos impostos ou os registos de saúde, para comunicar, para comercializar digitalmente os seus produtos, entre tantas outras funções.
Sejamos muito claros. Os Estados, por omissão, entregaram significativas fatias da sua soberania a empresas multinacionais. Empresas essas presentes em várias geografias, escolhendo criteriosamente a que autoridades de supervisão ou fiscais se e quando se submetem, fazendo verdadeira arbitragem fiscal e regulatória. E expandindo-se a áreas confluentes como a emissão de moeda, a medicina ou as viagens.
Cada vez mais, a forma como trabalhamos, vivemos e nos relacionamos depende de infraestruturas fora do escrutínio dos cidadãos e dos seus eleitos.
Estas grandes empresas condicionam e determinam de forma acentuada o contrato social vigente e as relações laborais (o trabalho biscateiro ou das plataformas, por exemplo, está à vista desarmada de todos), bem como o modo como se irá processar a nova revolução “industrial” do 5G e da Internet das Coisas, impactando na forma como as sociedades se (não) desenvolvem, como os Estados projetam a sua influência e poder, e, em última instância, modelando a sociedade que seremos e respetivo nível de desenvolvimento, prosperidade e desigualdade.
Regresso ao início. Face à importância de tudo isto, pena é que os partidos políticos portugueses não façam qualquer exercício prospetivo sobre estas questões e não envolvam os cidadãos num debate absolutamente crítico sobre o seu futuro.