Este ano, com as eleições autárquicas em Outubro, a silly season está longe de ter começado. Talvez nem venha a ocorrer. Afinal, uma leitura mais atenta dos jornais indica, claramente, que estamos em período eleitoral. Não só as denúncias nos meios de comunicação social de má conduta local (não lhes quero chamar outra coisa) estão ao rubro, como se verifica elevada actividade na publicitação de eventos e finalização de obra um pouco por todo o país: agora é hora de campanha eleitoral.
Por coincidência ou não, está na Assembleia de República, para posterior votação, a revisão das finanças locais, onde os municípios têm, como é óbvio, um papel central, ou deveriam ter. As ideias de descentralização no país não são novas, e todos nos recordamos com maior ou menor detalhe das propostas feitas ao longo dos anos pelos diversos partidos políticos. Resta saber se esta legislação estará pronta a tempo das eleições em causa, pois faltam acordos para a sua finalização atempada, mas este timming não é arbitrário.
Independentemente dos detalhes da legislação em causa, um processo de descentralização implica mudanças que não são sempre as mais óbvias ou fáceis de antecipar. Não querendo pronuncia-me sobre se é “boa” ou “má” esta proposta legislativa ainda inacabada, ou mesmo se este tipo de processos implica mais benefícios do que malefícios, importa pensar que é algo dinâmico e de interesse para todos os cidadãos.
O “calcanhar de Aquiles” deste tipo de assuntos pode, contudo, ser difícil de resolver. Muitas vezes, em casos idênticos e noutros países, procedeu-se a uma diferenciação afirmativa de capacidades ao nível local, isto é, municípios com mais população têm mais poderes administrativos e ficais. Claro está que esse aspecto é difícil de coordenar quando se procuram minimizar disparidades entre regiões com clara perda de população e outras onde acontece o oposto, uma vez que até ao nível central isto pode implicar políticas públicas diferenciadas de região para região, inclusive.
Nesta lógica, a possibilidade de empréstimos para realizar obras necessárias aos municípios não fica esquecido, já que aqueles que tenham menores capacidades estariam sempre em desvantagem desde o início. E, claro, daqui dependem outros aspectos como acesso à saúde, estradas e transportes em geral, à educação, bem como, à justiça. Não é raro que pequenos municípios não tenham capacidade de resposta nestas áreas centrais, o que afecta a sua atractividade e continua a perpetrar a sua clara desvantagem perante outros. Ou seja, uma legislação de descentralização terá que, necessariamente, tocar estes pontos e mais, procurar minimizá-los se queremos ter um país mais igualitário.
Os aspectos mais ou menos abstractos que a descentralização enceta não o são em termos de consequências para o dia-a-dia dos cidadãos, e até parecem sê-lo se considerarmos todos os momentos de campanha efectiva já em curso, mas convém tê-los em mente. É que, no momento de votar, tudo isto deve ser tido em conta, ainda que num exercício prospectivo que nem sempre nos habituámos a fazer.
Votos de um bom Verão!
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.