Problemática democrática angolana

A problemática sobre a democratização do poder não enfrenta, muitas vezes, as insuficiências teóricas e práticas da própria democracia. Essa minha inquietação sobre a democratização surgiu na sequência da leitura dos escritos de Ruy Duarte de Carvalho sobre a representação dos povos. Apenas com a descoberta da obra de Hart, O Conceito de Direito, consegui encontrar um entendimento mais aprofundado sobre estes temas.

A propósito de democracia sempre houve grandes debates académicos que no espaço jornalístico e mediático são ignorados ou negligenciados. Pode-se qualificar um regime político como democracia mínima, que apenas cumpre com o preceito de realização de eleições. Ao passo que o conceito de poliarquia, de Robert Dahl, acaba por ser mais exigente, perspectivando um percurso longitudinal de democracia, que é mensurado através de um conjunto de rankings que são estudos com critérios qualitativos e quantitativos.

Voltando à questão da soberania atribuída ao povo, consagrando-o como o titular do poder que exerce através de um acto de transferência, gerando, assim, o fenómeno da representação. Este processo transforma o povo em eleitorado. Porém, o eleitorado surge de uma determinação legislativa, com a previsão dos critérios de eleitor activo e passivo, bem como as restrições à participação eleitoral, etc.

Por isso, António Marques considera que existe uma “contradição particularmente visível nas democracias constitucionais que impõem limites ao soberano enquanto eleitorado: é que se parece óbvio que nesses casos o eleitorado é sujeito de soberania, ele não deixa de se ter que conformar a certas normas que o definem a ele próprio como eleitorado, o que nos leva então a concluir que é o poder legislativo (legislature), o órgão legislativo que é o soberano”.

Hart considera que “a identificação agora feita do soberano com o eleitorado de um Estado democrático não tem qualquer carácter plausível”. Associando, assim, o órgão legislativo à qualidade de soberano. No entanto, Hart admite que este facto não consegue resolver “todas as dificuldades resultantes do facto de que tal órgão legislativo pode estar sujeito a limitações jurídicas aos seus poderes legislativos permaneceriam por resolver”.

Segundo Marques e Hart, o soberano é o poder legislativo e não o povo per se. No caso angolano, esta observação está sustentada numa verdade histórica, porque todas as constituições resultaram de decisões das forças políticas envolvidas directamente no conflito armado. Por isso, invocar os artigos da Constituição como uma forma de encontrar o soberano é simplesmente mistificar e continuar a ensinar através de uma perspectiva formal de poder, desprovida de factualidade histórica.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

O título deste artigo remete para a reflexão está contida inSistema Eleitoral Angolano e Eleições em contexto de pós-guerra: Um estudo das eleições de 2008, 2012 e 2017″, Sérgio Dundão.