Assim que Luís Montenegro tomar posse, começará a contar o prazo de dez dias para apresentar o seu programa de Governo na Assembleia.

Este programa será discutido, seguramente muito criticado, mas não terá de ser aprovado. Não fosse a insólita moção que o PCP já anunciou, o programa nem teria sequer de ser sujeito a qualquer votação.

A parte difícil virá certamente depois. Não por causa dos institutos que a Constituição previu como instrumentos de efetivação da responsabilidade política do Governo perante o Parlamento: a moção de censura e o voto de confiança. Há muito que ambos caíram em desuso, porque requerem algo que hoje não abunda na vida política portuguesa: “coragem política”. Assumir a responsabilidade por derrubar o Governo, formar uma alternativa governativa e eventualmente apresentá-la aos eleitores.

Em vez disso, o Orçamento tornou-se o momento crítico da vida de todos os Governos não respaldados por uma confortável maioria absoluta. Constitucionalmente, o Orçamento é uma lei como outra qualquer. Há leis que têm de ser aprovadas por dois terços dos deputados (154). Muitas mais que exigem o voto favorável da maioria absoluta dos parlamentares (116). A lei orçamental apenas precisa – como a generalidade das leis – de ter mais votos a favor do que contra. Basta uma simples maioria relativa.

Nada de extraordinário, portanto, desde que as oposições não se juntem numa coligação negativa. Isto é, uma daquelas coligações ad hoc que servem para mandar abaixo, mas são incapazes de se entender para fazer qualquer coisa de positivo, como por exemplo governar em conjunto.

Mais ainda: a rejeição da lei do Orçamento não tem nenhuma consequência constitucional, para além da obrigação de o Governo apresentar uma nova proposta ao Parlamento. Não determina nenhuma crise política, nem a queda do Executivo e, menos ainda, a realização de eleições antecipadas.

Mas uma coisa é a Constituição, outra bem diferente tem sido a prática política. E aqui o Orçamento transformou-se numa espécie de “moção de confiança anual”, que todos os Governos de maioria relativa têm forçosamente de solicitar ao Parlamento na fase final de cada ano.

Como se tem dito e repetido: para calar a insatisfação de algumas classes profissionais, o Orçamento retificativo vai ser aprovado. Depois disso, o Governo até pode passar entre os pingos da chuva, “governando por decreto”. Mas, com o Orçamento para 2025, o Governo de Montenegro vai solicitar ao Parlamento a sua primeira grande “moção de confiança” – com resultado muito incerto.

Não tinha de ser assim. 50 anos depois do 25 de Abril é fundamental ter a coragem para reformar o sistema político, antes que o mesmo rebente pelas costuras. Há mais de um milhão de razões para o fazer agora!