Apesar da resistência em o admitir, torna-se cada vez mais óbvia nas chancelarias europeias a necessidade de pôr fim à guerra na Ucrânia através de uma solução política. Vários analistas têm elaborado sobre possíveis soluções. Embora seja comum em todas as propostas a cedência de territórios ucranianos, já a adesão à NATO, a causa primária da intervenção russa, não o é.
Richard Haass, ex-diretor do Council on Foreign Relations veio admitir que a Ucrânia não tem hipótese de recuperar o território perdido e que a nova política de Washington e dos seus aliados tem de ser a proteção daquilo a que chama “núcleo da Ucrânia”.
O desespero causado pelo efeito conjugado de vários acontecimentos, a crescer no círculo próximo de Zelensky, terá levado a que este alterasse o tom do seu discurso sobre a possibilidade de uma solução política para o conflito e a abrir alegadamente a porta a conversações com Moscovo.
Na lista desses acontecimentos podemos incluir os resultados pífios obtidos por Kiev na cimeira da NATO, os sucessos militares da Rússia na frente de batalha, o incumprimento das promessas de ajuda militar dos países amigos, os desenvolvimentos na cena política norte-americana, a incerteza quanto ao futuro apoio dos principais aliados, e a disponibilidade de Trump para dialogar pessoalmente com Putin sobre o futuro da Ucrânia, sem intermediários, se vencer as eleições.
A juntar a isto, um assistente pessoal do candidato republicano à vice-presidência dos Estados Unidos, J.D. Vance, visitou secretamente Londres, onde se encontrou com o ex-CEMGFA ucraniano, general Valerii Zaluzhnyi e atual embaixador ucraniano no Reino Unido, o que sugere a possibilidade de uma vida curta de Zelensky na Bankova, se Trump for o próximo presidente dos EUA.
Mas, o comportamento de Zelensky tem sido errático. Ora diz uma coisa, ora diz outra. Umas vezes fala em conversações, outras no fim de Putin e no prosseguimento dos combates até à recuperação total do território perdido para os russos.
Não são visíveis sinais de uma vontade genuína de Zelensky querer entrar em conversações. Não há, até ao momento, movimentações no Verkhovna Rada para rever a lei que proíbe as negociações com a Rússia, enquanto o presidente Putin se mantiver no poder.
Se é um facto que Zelensky admitiu numa entrevista à BBC, que a Ucrânia não conseguirá conquistar pela força todos os territórios ocupados pela Rússia, “penso que o poder da diplomacia pode ajudar”; também é verdade que voltou à ribalta a possibilidade da Ucrânia lançar uma contraofensiva.
Independentemente de não sabermos com que tropas, com que munições e com que material o faria, uma vez que as suas reservas estratégicas estão a ser destruídas na região de Kharkov, o simples fato de Kiev equacionar essa possibilidade leva-nos a concluir não ter ainda atingido o chamado “impasse doloroso” e, portanto, não se encontrarem maduras, de momento, as condições para conversações.
Zelensky veio propor uma conferência de paz para novembro. Excetuando a possibilidade de convidar a Federação russa a participar com um representante, pouco mais se sabe sobre as suas intenções, para além de ser uma óbvia manobra de relações públicas como já tinha sido a pretérita “conferência de paz” na Suíça.
A Rússia estará eventualmente disponível para discutir um plano de paz que inclua não apenas a situação na Ucrânia, mas também os termos de uma futura arquitetura de segurança na Europa. Qualquer tentativa de congelar a situação tática através de um cessar-fogo, sem o respaldo de um plano de paz, está à partida condenada ao fracasso. O ministro dos negócios estrangeiros russo, Sergey Lavrov, foi bastante explícito sobre esta matéria em várias ocasiões, não perdendo a oportunidade para questionar a legitimidade institucional de Zelensky.
Das inúmeras propostas que têm sido avançadas – umas mais sérias do que outras – não podemos deixar passar despercebida a de Boris Johnson. Após se deslocar aos EUA para prestar vassalagem a Donald Trump, o principal responsável pelo fracasso das negociações de paz na Turquia (2022) e pelo Brexit, teve o descaramento de dizer que acredita na capacidade de Trump para acabar com a guerra em termos aceitáveis para a Ucrânia e para o Ocidente, entenda-se o acesso da Ucrânia às fronteiras em 24 de fevereiro de 2022 e a possibilidade de aderir à UE e à NATO.
Na sua prova de vida, insistiu na mesma fórmula que conduziu a Ucrânia ao estado em que se encontra, ou seja, aumentar a assistência militar a Kiev, acelerar os fornecimentos de armas e levantar as atuais restrições aos ataques contra a Rússia utilizando armas ocidentais. Hilariante mesmo, foi dizer que “no futuro, um exército ucraniano bem armado poderia substituir o contingente americano na Europa, o que permitiria a Trump poupar dinheiro, trazer os soldados americanos para casa e forçar a Europa a fazer mais pelas suas próprias capacidades de defesa.”
Independentemente do que Trump vier a decidir, se chegar a presidente dos EUA, o Center for American Security, o think tank onde são buriladas as propostas de Trump sobre várias matérias do foro governativo, já explicitou qual o entendimento dos conselheiros mais próximos de Trump sobre o assunto e a que este terá dado o seu acordo: forçar a Ucrânia a assinar a paz com a Rússia, fazer concessões territoriais e renunciar à adesão à NATO.
Dando nota da tensão política crescente em Kiev, o presidente da Câmara da cidade, Wladimir Klitschko, veio juntar-se ao debate defendendo a realização de um referendo sobre o compromisso territorial. “Não creio que ele [Zelensky] possa tomar decisões tão dolorosas sem a legitimação popular. A solução poderia ser a criação de um governo de unidade nacional, como aconteceu em Israel após o ataque do Hamas”. Independentemente de Klitschko não entender o que está a acontecer ao seu redor, é um facto que mais cedo ou mais tarde, Zelensky terá de explicar ao seu povo porque é que a morte de centenas de milhares de ucranianos, algo que podia ter sido evitado, não serviu para nada.
Também os articulistas da “Foreign Affairs” vieram dar as suas opiniões sobre como resolver o conundrum ucraniano. Por exemplo, Mary Sarotte veio explicar o que fazer, garantindo simultaneamente a entrada de Kiev na NATO. Desaconselha a adoção do modelo da DMZ coreana, manifestando preferência por um modelo de duas ‘ucrânias’, semelhante ao das duas ‘alemanhas’, tendo a Ucrânia que decidir qual o território a ceder.
A Ucrânia “ocidental” seria então autorizada a entrar na NATO, com a promessa de reunificação num futuro indeterminado, adotando o modelo norueguês. Ou seja, comprometendo-se a não serem instaladas bases militares de outros países no seu território, a não ser em caso de agressão.
O estado do debate sobre os termos de um previsível acordo de paz é, na maioria dos casos, de uma qualidade confrangedora. A realidade virtual gerada por falsas narrativas em que têm vivido certas chancelarias, em particular as europeias, cria fantasias e ilusões, o que as impede de separar os factos da ficção. Não perceberam ainda que: (1) a solução que se vier a encontrar, nomeadamente em matéria de concessões territoriais, dependerá do que for ditado pela fortuna das operações militares; (2) a Ucrânia nunca será membro da NATO.
Apesar do futuro da Ucrânia resultar daquilo que os EUA e a Rússia acordarem, é importante perceber as contradições de Zelensky. A sua ação e a sua vida estão condicionadas. O chefe do estado-maior da brigada Azov ameaçou matá-lo caso tenha a aleivosia de se envolver em conversações de paz com a Rússia. Afirmando que as questões territoriais não poderão ser deixadas para outras gerações, alertou que teria vida curta quem estivesse disposto a fazer concessões territoriais, mesmo que temporárias.
O controlo dos neonazis sobre o futuro do país continua a ser decisivo e incontornável, ao ponto de, no final de junho de 2024, um dos seus chefes, Bogdan Krotevych, ter “aconselhado” Zelensky a substituir o comandante das Forças Conjuntas das Forças Armadas da Ucrânia, o tenente-general Yuri Sodol, recomendação que ele seguiu diligentemente. Qualquer passo em direção à paz terá de levar em consideração as reticências dos dirigentes do Azov, e lidar com elas. Entretanto, e surpreendentemente, a Administração Biden levantou a interdição da entrega de armamento às forças das unidades nacionalistas, como o Azov.