Entre as realidades ambientais apocalípticas que chegam diariamente às notícias, uma das menos faladas é a da acumulação do lixo urbano. Falta-lhe a dimensão dramática dos resíduos industriais de alguns setores como o têxtil, a pecuária, o químico e outros, pois mal fechamos o saquinho dos orgânicos, o assunto fica resolvido.
Em Atenas, no final do passado mês de junho, os serviços de recolha de lixo da cidade estiveram várias semanas em greve, o que levou a uma acumulação de sacos nas ruas, que atingiam os 2 metros de altura e 6 de diâmetro, de 400 em 400 metros. Nestes dias, em que estive na capital grega, na linha do que previa, os termómetros atingiram os 44ºC, os dias mais quentes dos últimos 30 anos. Ao contrário do que esperava, encontrei uma cidade muito arborizada e sem ar poluído. O lixo urbano, de tão pouca importância que tem para o utilizador diário de uma cidade do primeiro mundo, não era sequer um aspeto considerado nas minhas expectativas.
Na Grécia, os trabalhadores da recolha do lixo pertencem a quadros da administração central, ao contrário do que é típico nos restantes países da Europa, onde habitualmente trabalham para os municípios. Possivelmente por isso, existirão dificuldades em gerir as necessidades de recolha das diferentes cidades, dando aso a contratações de curto prazo, e sazonais, que não ajudam à estabilidade do sistema.
Outro problema desta estratégia é que não permite, ao nível local, fazer uso dos materiais recicláveis. Na verdade, Atenas não faz reciclagem de resíduos urbanos, o que nos dias de hoje é inconcebível – os objetivos europeus para 2030 são de reciclar 65% de lixo municipal e 75% das embalagens, entre outros. Comparativamente à Grécia e outros países Europeus, parece-me que o modelo utilizado em Portugal, de atribuição de responsabilidades de tratamento e valorização de resíduos a empresas detidas por um conjunto de Câmaras ou Associações Municipais, até funciona razoavelmente bem.
O que não funciona é o bem-estar instalado, ou melhor, a falta de mal-estar, na produção do lixo em casa, e nos locais de trabalho. Em duas gerações, com o estabelecimento de bons sistemas de recolha, deixou de existir uma responsabilização pelos saquinhos que pomos à porta. Os problemas de doenças e pragas foram substituídos e adiados por problemas de contaminação dos terrenos e alterações climáticas. O contexto não ajuda, a ASAE também não, e os maus exemplos surgem onde menos esperamos, desde a laranja cortada servida num copinho de plástico e garfinho do mesmo, às maçãs cuidadosamente lavadas e embrulhadas em plástico aderente. A cultura do embalamento é algo doentia e representa grande parte do problema.
Ora, como adiar externalidades não é muito boa ideia numa dinâmica de utilidade intergeracional, existem já alguns exemplos que podemos replicar, como o do sistema “Pay-As-You-Throw”, em que os cidadãos entregam o seu saco de lixo orgânico e pagam apenas aquilo que produzirem (já em vigor numa zona da cidade de Guimarães), ou a recolha seletiva porta-a-porta, em detrimento da recolha indiferenciada, ou ainda uma redução de taxas de resíduos para quem tenha um compostor. São ideias a replicar e a fazer notar aos Srs. Autarcas, pelo menos para quando definirem as linhas dos orçamentos participativos.
Aproveitemos esta época do ano, típica das embalagens, para refletir sobre a dependência que temos das nossas coisas e compras e reconstruir uma consciencialização social sobre a quantidade de lixo que produzimos, coisa que os nossos bisavós já tiveram. Para isso, podemos começar por ver o filme “WALL-E” com os mais pequenos, enquanto temos um verão mais limpo.