Aproximamo-nos de mais um momento em que a Teoria Económica será testada. Depois do Quantitative Easing (QE) e outras políticas monetárias não convencionais, que elevaram o balanço dos bancos centrais a números nunca antes navegados, temos pela frente o choque com a realidade: uma inflação a bater recordes de décadas.
Nos EUA os preços estão a aumentar 8,6%, o valor mais alto desde 1981. Os salários reais estão a cair 3% e a confiança dos consumidores pouco passa 50%, número não visto nem na crise de 2008; daqui a cinco meses são as eleições de midterm e Biden pode perder a maioria nas duas câmaras do Parlamento. Na zona euro a inflação atingiu em maio 8,1%, novo recorde depois dos 7,4% do mês anterior e acima da expectativa de 7,8% (na Alemanha atingiu 8,7%, muito acima dos esperados 8%).
O problema agora é como controlar a dinâmica dos preços sem a economia cair em recessão dadas as circunstâncias que atravessamos – nomeadamente, mercado da energia e dos cereais com restrições na oferta. Esta semana, a Reserva Federal (Fed) deverá subir a taxa de juro meio ponto percentual, mas a probabilidade de um aumento de 75 pontos base já se aproxima de 20%, uma subida a pico em pouco tempo; a decisão já será conhecida na altura da publicação deste texto. A taxa das obrigações do Tesouro a 10 anos está em 3,371%, a mais alta desde 2011.
O Banco Central Europeu (BCE), por sua vez, anunciou na semana passada ir terminar em julho as compras de ativos e subir a taxa de juro 25 pontos base. De acordo com a sua presidente, “we are likely to be in a position to exit negative interest rates by the end of the third quarter”. Esta subida das taxas de juro –necessária para “secar” o excesso de liquidez e consequentes aumentos de preços – tem levado a que o mercado de títulos se ressinta: o S&P 500 já caiu 22% este ano (2,9% na sequência do anúncio da inflação de maio, 3,5% no caso do Nasdaq), o pior início de ano desde 1962, e vamos ver onde vai parar.
Para já, com 111 dias até a queda ultrapassar 20%, estamos no mais rápido bear market com exceção dos das crises de 2009 e do Covid de 2020. Isto limpou 500 mil milhões de dólares da riqueza das famílias americanas, mais de duas vezes o PIB português. No conjunto das bolsas internacionais, estamos também ao pior nível desde outubro de 2020, na sequência da crise do Covid.
Normalmente, a taxa de juro sobe para refrear uma economia sobreaquecida; agora estamos a vê-la a subir quando se discute, sobretudo nos EUA, se se vai entrar numa recessão no próximo ano e, avisa o economista Kenneth Rogoff, os muito elevados níveis de dívida acumulados põem em causa a independência dos bancos centrais. Um cenário em cima da mesa faz-nos recuar umas largas dezenas de anos: a estagflação, isto é, estagnação com inflação.
A vida de banqueiro central não vai ser fácil neste par de anos, mas é o que acontece ao aprendiz de feiticeiro.